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Josias de Souza

REPORTAGEM

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Relatora do caso Daniel Silveira, Rosa referendou indulto polêmico de Temer

Montagem TV Cultura
Imagem: Montagem TV Cultura

Colunista do UOL

22/04/2022 22h02

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O Planalto celebrou a escolha da ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber foi sorteada como relatora das ações movidas pela oposição contra o decreto de Bolsonaro que concedeu o instituto da graça (indulto individual) ao condenado Daniel Silveira. Recorreram três partidos (Rede, PDT e Cidadania) e dois parlamentares (senador Renan Calheiros e deputado Alexandre Frota).

Rosa Weber participou do julgamento em que o Supremo validou por 7 votos a 4 um polêmico decreto de indulto coletivo editado pelo então presidente Michel Temer no Natal de 2017. No seu voto, a ministra atribuiu ao presidente da República "ampla liberdade" para definir os critérios e os beneficiários de indultos. Daí a celebração.

O julgamento sobre o decreto de Temer foi concluído em maio de 2019. Há no Planalto cópias dos votos dos 11 ministros. Votaram contra Temer: Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Edson Fachin e Luiz Fux. Todos eles integram a maioria que condenou por 10 a 1, na última quarta-feira, o deputado Daniel Silveira.

Dos sete que votaram a favor do indulto decretado por Temer, dois já se aposentaram: Celso de Mello e Marco Aurélio Mello. Entretanto, cinco magistrados dessa ala ainda permanecem na Corte: Rosa Weber, Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Eles também compõem a maioria que condenou Silveira.

No julgamento do decreto de Temer, prevaleceu a tese segundo a qual o indulto é um ato privativo do presidente da República. Em privado, um auxiliar jurídico do Gabinete Civil da Presidência afirma que os ministros deveriam manter a coerência ao julgar o perdão concedido por Bolsonaro a Daniel Silveira. "Ainda que não gostem do presidente, precisam zelar pela segurança jurídica", declarou.

Ouvido reservadamente, um ministro da Suprema Corte declarou que os decretos de Temer e de Bolsonaro, embora sejam documentos análogos, não são comparáveis. O indulto natalino de Temer é um perdão coletivo, que se tornou usual no Brasil. A graça concedida por Bolsonaro a Silveira é um indulto individual. Coisa inédita.

Falando em tese, o ministro realçou que o Supremo terá de analisar se Bolsonaro respeitou valores constitucionais como o princípio da impessoalidade e o interesse público. De resto, será necessário avaliar se os pressupostos invocados pelo presidente para perdoar Silveira são verdadeiros.

Bolsonaro alegou, por exemplo, que a condenação do seu aliado a 8 anos e 9 meses de cadeia pelos crimes contra o Estado Democrático de Direito e por coação no curso do processo em função dos ataques ao Supremo e aos seus ministros provocou "legítima comoção" da sociedade brasileira. Afora os sacolejos produzidos pelo primeiro Carnaval pós-pandemia, não há vestígio de ebulição social.

Ao avalizar o decreto de Temer, Rosa Weber sustentou que "o indulto é uma carta constitucional de ampla liberdade decisória atribuída ao Chefe do Poder Executivo para extinguir ou diminuir a punibilidade de condenados".

Para a ministra, "a escolha das pessoas beneficiadas e os critérios estabelecidos como necessários para o respectivo enquadramento no ato normativo são de competência do chefe do Poder Executivo", que dispõe de "ampla liberdade decisória, em conformidade com sua política de governo e de oportunidade política para a formulação do indulto".

Editado em 22 de dezembro de 2017, o decreto de Temer foi questionado no Supremo pela então procuradora-geral da República Raquel Dodge. A Corte estava em recesso. Respondia pelo plantão Cármen Lúcia, que concedeu liminar sustando a aplicação do decreto.

Então presidente do Supremo, Cármen Lúcia foi implacável com o professor de direito constitucional Michel Temer. Endossando integralmente os argumentos de Raquel Dodge, a ministra considerou plausíveis as alegações de que Temer incorreu em desvio de finalidade, invadiu competências do Legislativo e do Judiciário e favoreceu a impunidade de criminosos do colarinho branco.

"O indulto constitucionalmente previsto é legítimo apenas se estiver em consonância com a finalidade juridicamente estabelecida", anotou Cármen Lúcia em seu despacho. "Fora daí é arbítrio."

O decreto de Temer foi de uma generosidade sem precedentes. Perdoou 80% das penas e 100% das multas de condenados por crimes não violentos. Num gesto inédito, incluiu entre os beneficiários do perdão sentenciados por corrupção, extorsão e lavagem de dinheiro.

Diferentemente de decretos de anos anteriores, que limitavam o indulto aos condenados a menos de 12 anos de cadeia, o perdão de Temer alcançou todos os sentenciados, independentemente do tamanho de suas penas.

"Indulto não é prêmio ao criminoso nem tolerância ao crime", escreveu Cármen Lúcia. "Nem pode ser ato de benemerência ou complacência com o delito, mas perdão ao que, tendo-o praticado e por ele respondido em parte, pode voltar a reconciliar-se com a ordem jurídica posta."

O caso foi enviado à mesa do relator Luís Roberto Barroso, que se debruçou sobre ele ao retornar das férias, no início de 2018. Em março daquele ano, sobreveio a decisão de Barroso. Ele fez considerações ácidas sobre as intenções de Temer. Declarou, por exemplo, que o decreto "deu um passe livre para corruptos em geral."

Barroso determinou que os condenados por corrupção não recebessem indulto natalino. Autorizou a libertação apenas de presos que cometeram crimes sem violência —desde que condenados a até oito anos e que já tivessem cumprido um terço (33%) da pena. Temer queria soltar quem tivesse puxado um quinto (20%) da cana, sem limite para o tamanho do castigo.

A liminar de Barroso foi levada à apreciação do plenário do Supremo. O julgamento sofreu adiamentos por conta de pedidos de vista. Arrastou-se até março de 2019, já no governo Bolsonaro. Nessa época, presidia o Supremo Dias Toffoli, a quem coube proclamar o resultado que restabeleceu o decreto de Temer.

Para sorte de Bolsonaro, seu desafeto Alexandre de Moraes, ex-ministro da Justiça de Temer, indicado por ele para ocupar uma poltrona no Supremo, proferiu primeiro voto divergente da posição de Barroso. A divergência prevaleceu. Hoje, o mesmo Alexandre de Moraes é relator do processo que levou Daniel Silveira à grelha.

"Esse ato de clemência constitucional, é um ato privativo do presidente da República", declarou Moraes em relação ao decreto do ex-chefe Temer. "Podemos gostar ou não gostar. Assim como vários parlamentares também não gostam muito quando o STF declara a inconstitucionalidade de emendas, leis ou atos normativos".

Para se contrapor a Barroso, que retalhara o texto de Temer, Moraes declarou que "não compete ao Supremo Tribunal Federal reescrever o decreto de indulto." Acrescentou: "Nós podemos concordar ou não com o instituto, mas ele existe e é ato discricionário, prerrogativa do presidente da República".

Ao votar, Ricardo Lewandowski soou ainda mais explícito. Declarou que o indulto decretado por um presidente "não é sindicável pelo Judiciário." Gilmar Mendes disse que não cabe ao Supremo senão examinar eventuais "violações manifestas ao texto constitucional."

O debate jurídico ofusca a natureza política do movimento de Bolsonaro. O confronto é parte do DNA do presidente. Sempre que pode, ele cria uma crise. Em três anos, falando sempre em "minhas Forças Armadas", esmerou-se em armar conflitos com o Supremo e com os ministros da Corte que fazem hora extra no Tribunal Superior Eleitoral.

Ao perdoar os crimes atribuídos a Daniel Silveira, Bolsonaro esticou a corda de uma maneira diferente. Evoluiu dos ataques verbais toscos do dia 7 de Setembro do ano passado para o refinamento das filigranas jurídicas.

Bem orientado, Bolsonaro usou o voto de Alexandre de Moraes no caso do indulto de Temer como condutor do perdão a Silveira. "Estamos cumprindo à risca o que lá atrás decidiu o senhor Alexandre de Moraes", disse o presidente ao anunciar o decreto que editou para anular uma sentença que não completara 24 horas e ainda está pendente de recurso.

Entre risos, Bolsonaro disse a um aliado que pediu "moderação" que cabe ao Supremo, não a ele, moderar suas decisões. Afirmou que espera dos ministros que endossaram o decreto de Temer "um mínimo de coerência".

Formou-se em Brasília um enredo sem final feliz. Se liberar Daniel Silveira, o Supremo abrirá uma porteira por onde podem escapar outros bolsonaristas que frequentam os processos como condenações esperando para acontecer.

Se confirmar o envio de Silveira para a cadeia ou se mantiver a cassação do mandato do deputado, declarando-o inelegível, a Suprema Corte oferecerá material para Bolsonaro continuar posando de perseguido.

O presidente deixou os ministros do Supremo numa toga justa. Para quê?, perguntam-se alguns aliados do centrão. Receiam que, a pretexto de agradar o bolsonarismo radical, Bolsonaro afugente eleitores que estão em busca tranquilidade.