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Josias de Souza

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Caso Bruno-Dom está longe de ser esclarecido

@crisvector/Reprodução
Imagem: @crisvector/Reprodução

Colunista do UOL

16/06/2022 18h04

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A confissão de um dos suspeitos e a localização dos "remanescentes humanos" —como foram catalogados os restos mortais do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips depois da carbonização e do esquartejamento—, não encerram o caso. Ao contrário, a investigação dessa penúltima tragédia amazônica mal começou. Há muito por ser esclarecido.

De acordo com a versão oficial, Amarildo da Costa Oliveira, o Pelado, decidiu confessar "voluntariamente". Em audiência de custódia na cidade de Atalaia do Norte, na semana passada, o preso disse ter sido torturado por policiais. Mas isso virou mero asterisco num enredo feito de horror, sangue, dor e detritos de um Brasil horrendo. Os detalhes da confissão de Pelado ainda são obscuros.

Conduzidos pelo réu-confesso, os investigadores chegaram ao que restou dos corpos num local de "dificílimo acesso", dentro da selva, a três quilômetros da margem do rio Itaquaí. Está claro que a execução, a mutilação e a ocultação compõem um enredo macabro e coletivo.

Junto com Pelado, está preso o irmão dele, Oseney da Costa Oliveira, um suspeito sem confissão. Diz-se que há outros investigados, cujos nomes são mantidos em segredo. Seriam cinco no total. Os personagens já presos, tratados pelos investigadores como executores dos crimes, são os elos mais frágeis da corrente criminosa.

Há uma penca de interrogações sem resposta. Por exemplo: Como foi planejado o duplo homicídio? Quem são os mandantes? O que motivou os assassinatos? Bruno Pereira repassou a autoridades, há dois meses, dados sobre quadrilha de pesca e caça ilegal que atua no Vale do Javari. Existe vinculação entre a denúncia e as mortes? Há neste caso digitais do tráfico de drogas e de armas, que costumam se servir da ilegalidade ambiental para lavar dinheiro?

Pelado e seu irmão frequentam na condição de suspeitos um inquérito que apura a morte de Maxciel Pereira dos Santos, servidor da Funai assassinado em 2019, na cidade de Tabatinga. Decorridos três anos, não há presos nem condenados por esse assassinato. Existe ligação entre os dois casos?

Em meio a relatos sobre o lado imundo de um pedaço do mapa do Brasil onde o crime se organizou graças à esculhambação do Estado, autoridades federais e estaduais exaltaram numa entrevista conjunta na noite de quarta-feira a capacidade do poder público de unir suas impotências numa força-tarefa para investigar nos fundões da Amazônia a execução brutal de um indigenista e de um jornalista. A cena foi melancólica.

Mal comparando, é como se o Estado dançasse sobre brasas depois de mais um incêndio na floresta. A micromegalomania administrativa que leva a celebração da inépcia como um grande feito revela que Bruno e Dom não são os únicos esquartejados neste caso.

O Brasil da Amazônia, assim como o país de outros pedaços do seu mapa, é vítima de uma amputação progressiva. No momento, esse Brasil mutilado arde nas manchetes internacionais na condição de um gigante melancólico, que transita entre o caos e o pântano. A impunidade reforça a sensação de dissolvência.