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Josias de Souza

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro em pose indigenista é como vampiro que se diz bebedor de groselha

Colunista do UOL

23/01/2023 11h01

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A operação montada pelo governo para socorrer a comunidade indígena yanomami interrompe um ciclo de desprezo que produziu nos últimos quatro anos morte e devastação. Com sua visita a Roraima, Lula fez um risco no chão para demarcar a diferença entre a sua gestão e a desumanidade criminosa do antecessor. Em reação, Bolsonaro subiu no caixote do Telegram para fazer uma pose de defensor dos patrícios originários.

Acusado por Lula de favorecer a morte de indígenas com o seu descaso, Bolsonaro chamou de "mais uma farsa da esquerda" a classificação do drama vivido pelos ianomâmis como "crise humanitária". Empilhou números e datas para sustentar que deu prioridade à saúde indígena. "Um marco está no enfrentamento da pandemia entre os povos tradicionais, anotou.

Bolsonaro esqueceu de lembrar —ou lembrou de esquecer— que o Supremo Tribunal Federal teve de intervir para que seu governo prestasse algum tipo de assistência sanitária às comunidades indígenas. Nessa matéria, Bolsonaro não é socorrido nem pelo seu passado.

O capitão engatinhava na Câmara quando o então presidente Fernando Collor assinou, em maio de 1992, o decreto que homologou a Reserva Ianomâmi. Subiu à tribuna em novembro de 1995 para ralhar:

"Com a indústria da demarcação das terras indígenas, assim como Quebec quase se separou do Canadá, num curto espaço de tempo, os Ianomâmis poderão, com o auxílio dos Estados Unidos, vir a se separar do Brasil."

Decorridos quase 30 anos, as terras yanomamis continuam acopladas ao mapa do Brasil. Bolsonaro é que se descolou. Encontra-se refugiado em Orlando, a terra do Pateta. Hoje, as maiores ameaças à soberania da Amazônia são a desassistência governamental e o crime ambiental. Sob Bolsonaro, a organização do crime aumentou na proporção direta da esculhambação dos órgãos de controle.

Em março de 2022, o então ministro da Justiça Anderson Torres concedeu a Bolsonaro a Medalha do Mérito Indigenista. Um "reconhecimento pelos serviços relevantes em caráter altruísticos, relacionados com o bem-estar, a proteção e a defesa das comunidades indígenas".

A condecoração foi um escárnio. Mas Bolsonaro, munido de autocritérios, considera-se merecedor da honraria. Finge não perceber que sua pose indigenista é algo tão convincente quanto a de um vampiro que tenta passar por um reles bebedor de groselha.