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Josias de Souza

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ao fugir do ringue, Campos Neto força Lula a dizer o que quer além da briga

Colunista do UOL

14/02/2023 10h03

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Quando um quer, dois costumam brigar. Mas a entrevista de Roberto Campos Neto ao Roda Viva mostrou que Lula terá dificuldades para arrastar o chefe do Banco Central até o centro do ringue. Restaram ao presidente da República duas alternativas. Numa, mais simples, Lula espanca o vento. Noutra, mais trabalhosa, Lula apresenta os planos do seu governo para entregar três mercadorias que prometeu na campanha eleitoral: tranquilidade, previsibilidade e prosperidade. Nada disso será obtido sem resultados concretos na economia.

Chegou-se a um impasse. Sabe-se do que Lula não gosta. Falta saber o que Lula pretende. Ele considera a autonomia do BC "uma bobagem". Mas a "bobagem" resulta de decisão do Congresso. Rodrigo Pacheco e Arthur Lira, presidentes do Senado e da Câmara, informam que é nula a chance de a lei ser modificada. Ou Lula testa sua musculatura no Legislativo ou muda de assunto. Acha que a meta de inflação deveria subir dos atuais 3,25% para 4,5%. Quem cuida desse assunto é o Conselho Monetário Nacional. Nele, o governo tem maioria. O colegiado se reúne nesta quinta-feira. Ou Lula aciona sua maioria ou vira a página.

A inflação oficial fechou o mês de janeiro a 5,77% no acumulado em 12 meses. Isso está acima do teto da meta, que é de 4,75%, considerando-se o intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual. A obrigação do BC é perseguir o cumprimento da meta. Sua ferramenta é a taxa de juros. Lula acha que a Selic anual de 13,75% é exorbitante. As torcidas do Flamengo e do Corinthians concordam. A questão é: como baixar? Trabalhando em harmonia, BC e governo podem chegar a algum lugar. Em desarmonia, chegarão à balbúrdia.

Com mandato até o final de 2024, Campos Neto afirmou que não cogita renunciar. Disse reconhecer a legitimidade da eleição de Lula. Prontificou-se a dar explicações no Congresso tantas vezes quantas forem necessárias. E revelou-se aberto ao diálogo com o presidente. Lula se queixa de que o presidente do BC é bolsonarista. O bolsonarismo não o enobrece. Ao contrário. Mas a preferência eleitoral não impediu Campos Neto de subir os juros na reta final da eleição, em resposta ao populismo fiscal do capitão.

Às voltas com o seu terceiro mandato presidencial, Lula sabe como poucos que, num regime presidencialista, a cara do soberano será sempre o rosto da crise. Retornou ao trono prometendo o melhor governo da história. Se não entregar a mercadoria, sua opinião sobre Campos Neto importará muito pouco. Talvez devesse levar um lote de projetos à vitrine e um semblante de tranquilidade à face.