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Josias de Souza

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Michelle se enrosca no pior pecado capital: o do capital propriamente dito

Michelle Bolsonaro ironizou notícias sobre conjunto de joias de diamantes - Reprodução
Michelle Bolsonaro ironizou notícias sobre conjunto de joias de diamantes Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

04/03/2023 03h02

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Na família Bolsonaro, a vida pública é muito parecida com a privada. Debutante na atividade política, Michelle Bolsonaro mal entrou para a folha do Partido Liberal do ex-presidiário Valdemar Costa Neto e já percebeu que não há mais pecados originais no clã. O que varia é a cotação das transgressões.

No final de 2018, quando o marido se equipava para a posse, Michelle estreou nas manchetes policiais como destinatária de uma mini-rachadinha de R$ 24 mil. Foi o primeiro depósito do operador Fabrício Queiroz detectado na conta de Michelle. Agora, com o marido refugiado na Flórida, madame ganha o noticiário como pretendente frustrada de uma muamba das arábias. Coisa de R$ 16,5 milhões em joias.

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Notícia do Estadão revela que, sob Bolsonaro, o governo tentou empurrar ilegalmente para dentro do Brasil joias presenteadas a Michelle pelo governo da Arábia Saudita: colar, anel, relógio e brincos de diamantes. Peças da Chopard, uma das mais caras e requintadas joalherias do mundo.

Deu-se em outubro de 2021, no retorno de uma visita do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, à Arábia Saudita. O país é comandado por um ditador de estimação de Bolsonaro, o príncipe Mohammad bin Salman. Trata-se de um déspota típico, grosso modo falando. Manda esquartejar jornalista, mantém a mãe em cativeiro, persegue mulheres e homossexuais, proíbe igrejas... Bolsonaro nutre por Bin Salman uma paixão hétero.

Em condições normais, as joias enviadas por intermédio de Bento Albuquerque entrariam no Brasil como um presente oficial do regime saudita para o casal presidencial. Nessa hipótese, os bens seriam catalogados e revertidos ao Estado brasileiro. Sob a anormalidade bolsonarista, as joias tomaram o atalho do descaminho, crime previsto no artigo 334 do Código Penal.

O presente desembarcou no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, camuflado dentro da mochila de um militar que assessorava Bento Albuquerque. Graças a uma emboscada da sorte e ao equipamento de raio-x, fiscais da Receita farejaram a mercadoria.

A muamba foi retida na alfândega. Para liberar, só pagando. Impostos e multa custariam o olho da cara, quase o valor das joias que o casal Bolsonaro gostaria que tivessem entrado no país pela porta dos fundos.

Bolsonaro se esforçou para reaver as joias apreendidas. Molhou o paletó até a véspera de sua fuga para a Flórida. Enviou um sargento de sua equipe a Guarulhos. O emissário voou nas asas da FAB. Voltou de mãos abanando. O Planalto mobilizou, então, o Itamaraty e a pasta de Minas e Energia. Nada. Acionou a cúpula da Receita. A fiscalização fincou o pé. Havia fiscais decentes na base.

Michelle correu às redes sociais nesta sexta-feira para fazer troça do noticiário. "Quer dizer que 'eu tenho tudo isso' e não estava sabendo? Meu Deus! Vocês vão longe mesmo hein?! Estou rindo da falta de cabimento dessa impressa [sic] vexatória."

Superior hierárquico da Polícia Federal, o ministro Flávio Dino (Justiça) também foi às redes. Enxergou crimes nas manchetes, não piadas: "Fatos relativos a joias, que podem configurar os crimes de descaminho, peculato e lavagem de dinheiro, entre outros possíveis delitos, serão levados ao conhecimento oficial da Polícia Federal para providências legais. Ofício seguirá na segunda-feira."

A família Bolsonaro vive num universo paralelo onde é mais fácil passar um camelo pelo buraco da agulha do que uma explicação pelo detector de mentiras. Vem aí a versão segundo a qual o casal Bolsonaro jamais pensou senão em incorporar as joias sauditas ao patrimônio nacional.

Se o caso não resvalasse no capitão, sua prole jogaria Michelle aos leões. O diabo é que, tomada pelos valores, a "ajudadora" de Bolsonaro nunca esteve tão incorporada à família.

Os pecados capitais, como se sabe, são sete: soberba, avareza, luxúria, inveja, gula, ira e preguiça. Michelle parece empenhada em convencer os teólogos de que é imperioso catalogar um oitavo pecado capital: o do capital propriamente dito.


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