Silêncio reduz estatura do alto-comando das Forças Armadas
Certos silêncios merecem um minuto de barulho. Militares com um pouco de devoção à pátria, um mínimo de respeito à farda e um pingo de amor-próprio já teriam levado a mão à consciência e os lábios ao trombone. Calado, o alto-comando se rebaixa, estimulando a suspeita de que ainda não foi desmobilizado o aparato miliciano que Bolsonaro chamou de "minhas Forças Armadas".
Sitiado pelas evidências, Bolsonaro reconheceu ter enviado Walter Delgatti ao Ministério da Defesa depois de recepcioná-lo no Alvorada em agosto de 2022. Com aval presidencial, o hacker estelionatário instruiu, em cinco reuniões, a comissão militar que conspirou em vão para desmoralizar as urnas eletrônicas. Delgatti reuniu-se até com o general Paulo Sérgio Nogueira, então ministro da Defesa.
Sob Bolsonaro, Paulo Sérgio era loquaz. Hoje, anda sumido. Em abril do ano passado, quatro meses antes de conceder audiência a Delgatti, o general enxergou "ofensa grave" e "irresponsável" numa declaração de Luís Roberto Barroso. O ministro do Supremo dissera o óbvio: as Forças Armadas estavam sendo orientadas para atacar o sistema eleitoral brasileiro e tentar desacreditá-lo.
Naquela época, bem orientado, Paulo Sérgio foi rápido no gatilho. Respondeu a Barroso: "O Ministério da Defesa repudia qualquer ilação ou insinuação, sem provas, de que elas [as Forças Armadas] teriam recebido suposta orientação para efetuar ações contrárias aos princípios da democracia." Onde está agora a língua do general que não diz meia dúzia de palavras sobre suas tratativas com Delgatti? O gato comeu!
José Múcio, o civil que Lula nomeou para chefiar a Defesa, disse ter solicitado à Polícia Federal os nomes dos militares que se reuniram com o desqualificado que Bolsonaro qualificou. Num mundo ideal, o ministério se apressaria em fornecer os nomes aos investigadores, não o contrário.
Costuma-se dizer que o compromisso das Forças Armadas com a Constituição é inquestionável, porque o golpe de Bolsonaro falhou. Em algum momento, esse desapreço presumido ao golpismo precisa ser traduzido em palavras e gestos explícitos.
O melhor momento para uma tomada de atitude é três décadas atrás, quando o general Geisel chamou de "mau militar" o capitão afastado do Exército com desonra e abrigado na política. O segundo melhor momento é agora. De preferência, ontem. Na marcha atual, basta que um fardado fique agachado nas reuniões do alto comando para ser considerado um oficial de enorme altivez.
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