Josias de Souza

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Opinião

Destino escala Lula para pôr fim à contagem regressiva de Moro

Na definição de Millôr Fernandes, o destino é um coelho cego procurando uma cenoura num deserto. O acaso foi caprichoso com Lula e Sergio Moro. Primeiro, colocou uma trava no processo estrelado por Moro na Justiça Eleitoral. Depois, escalou Lula para destravar a contagem regressiva que antecede o julgamento que pode levar à cassação do mandato de senador do ex-juiz da Lava Jato. Foi como se o coelho da metáfora de Millôr, bafejado pela brisa de um oásis, abrisse os olhos para apanhar na horta do fortuito a cenoura mais improvável.

O processo contra Moro tramita no Tribunal Regional Eleitoral do Paraná. Resulta da junção de ações movidas pelo PL e pelo PT. Pela lei, só pode ser julgado com quórum máximo. Ou seja: os sete juízes que compõem o plenário do TRE paranaense precisam comparecer à sessão. Com dois lances, o destino empurrou a ampulheta para o colo de Lula.

Na última terça-feira, expirou o mandato do magistrado Thiago Paiva dos Santos. Sua ausência poderia ser suprida por um dos dois juízes substitutos: José Rodrigo Sade e Roberto Aurichio Junior. Neste sábado, porém, os mandatos de ambos também chegaram ao fim. Será necessário acomodar um novo magistrado no colegiado do TRE-PR.

Para desassossego de Moro, a indicação cabe ao presidente da República. Lula selecionará o novo magistrado a partir de uma lista tríplice a ser aprovada pelo Tribunal Superior Eleitoral, presidido pelo ministro Alexandre de Moraes. Numa evidência de que tem pressa, Moraes assinou, em pleno recesso do Judiciário, despacho determinando a publicação "com urgência" do edital para o preenchimento da vaga na Corte eleitoral do Paraná.

A determinação de Moraes foi expedida em 20 de janeiro, um sábado, três dias antes do término do mandato de Thiago Paiva dos Santos, o titular da vaga. Ficou entendido que o mandachuva do TSE deseja completar o quórum do colegiado que decidirá o futuro de Moro a toque de caixa, nos primeiros dias de fevereiro, assim que o Judiciário voltar das férias.

Com isso, o relator do processo contra o ex-juiz, desembargador Luciano Carrasco Falavinha Souza, fica liberado para solicitar a inclusão do julgamento na pauta. Hoje, generaliza-se no meio jurídico e na seara política a percepção de que o mandato de Moro no Senado será passado na lâmina. Antes de escolher seu preferido na trinca de nomes que receberá do TSE, Lula se municiará de informações sobre a tendência de cada um. Opera para manter inalterada a tendência hipoteticamente anti-Moro.

A situação de Moro é precária. O Ministério Público acatou as acusações feitas por PT e PL. Sustentou que houve abuso do poder econômico na campanha de Moro. Alega que ele levou vantagem indevida sobre os adversários, pois, antes de disputar a vaga no Senado, bateu bumbo numa pré-campanha ao Planalto. Seu nome foi à vitrine prematuramente. Nessa versão, a exposição proporcionada a Moro torrou antes da hora verbas eleitorais que não estavam disponíveis para os rivais.

No Paraná, o teto de gastos na campanha para o Senado foi fixado em R$ 4,4 milhões. Pelas contas do MP, Moro gastou apenas na pré-campanha presidencial R$ 2 milhões. Sua campanha de senador custou mais R$ 5,1 milhões. Ao justificar o pedido de cassação de Moro, a Procuradoria Eleitoral citou o precedente de Selma Arruda. Ex-juíza de Mato Grosso, era chamada de "Moro de saia". Teve o mandato de senadora cassado pelo TSE por conta dos gastos que realizou numa pré-campanha extemporânea.

Na prática, caberá ao TSE deliberar também sobre o legalidade do mandato de Moro. Se for absolvido no Paraná, hipótese considerada improvável, os partidos de Lula e Bolsonaro recorrerão ao TSE. Em caso de condenação, o recurso à Corte superior será providenciado pela defesa de Moro.

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Dá-se de barato que, em Brasília, o destino de Moro já foi convertido em fatalidade. A cassação do ex-juiz é vista não como uma possibilidade, mas como favas contadas. Os partidos aguardam com ávido interesse a convocação de nova eleição para o preenchimento da vaga de Moro. Forma-se com prematura antecedência a fila de candidatos interessados em degustar a cenoura servida pelo destino.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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