Negacionistas do coronavírus acham que colapso funerário em Manaus é fake
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Desde que imagens de caixões sendo sepultados em uma vala coletiva de um cemitério de Manaus foram veiculadas por sites e pela TV, uma reação negacionista cresceu nas redes sociais. Bolsonaristas afirmaram que aquilo não correspondia à verdade e acusaram fotos e vídeos de serem resultado de manipulação e de não retratarem a capital do Amazonas. Afinal, se o coronavírus é uma "gripezinha", como atestou o presidente, aquilo só pode ser uma farsa.
O prefeito Arthur Virgílio Neto (PSDB) confirmou, ao Painel, da Folha de S.Paulo, que retroescavadeiras têm sido usadas para abrir e fechar valas coletivas em enterros.
"A metodologia, já utilizada em outros países, preserva a identidade dos corpos e os laços familiares, com o distanciamento entre os caixões e com a identificação das sepulturas. A medida foi necessária para atender a demanda de sepultamentos na capital", disse a administração municipal em nota.
Dados obtidos pelo repórter Flávio Costa, do UOL, mostram que, entre 12 e 19 de abril, 656 pessoas foram enterradas nos locais administrados pela Prefeitura de Manaus - uma média de 82 sepultamentos por dia. A média de 2019 é de 28 cerimônias.
Nem todos os mortos são por Covid-19, claro, mas a expansão da pandemia é a principal razão para o aumento significativo de óbitos. Tal qual o sistema de saúde do município, seus cemitérios também não estavam preparados para essa explosão. Muitos mortos são enterrados sem a causa da morte em seu atestado de óbito devido à inexistência de exames para Covid-19. Outros acabam falecendo em suas residências pela falta de leitos e também são sepultados sem que se saiba a causa. O subdimensionamento é gritante.
"Estamos chegando no ponto muito doloroso, ao qual não precisaríamos ter chegado se tivéssemos praticado a horizontalidade da quarentena", afirmou o prefeito. "Estamos em ponto de barbárie."
O colapso do sistema de saúde, lotado de pacientes com Covid-19, dificulta o tratamento de acidentados e pessoas com outras doenças. Ou seja, a pandemia gera aumento de mortes não apenas por consequência de sua própria infecção, mas também pelo não atendimento de outras situações. Alerta-se há semanas que isso aconteceria em todo o país. Manaus será a primeira, mas não a última em que isso vai acontecer.
E reside aí a razão do negacionismo. Uma cena assim não poderia ser fruto de "gripezinha", "fantasia", "histeria", "resfriadinho" ou "pequena crise" - termos usados por Jair Bolsonaro para tratar da pandemia.
Uma das maiores batalhas a serem travadas no combate ao coronavírus e seus desdobramentos é contra as tentativas de desinformação geradas pelo presidente, seus fãs e aliados.
Ter consciência sobre o que está acontecendo, ou seja, de que o coronavírus mata em larga escala, é fundamental para que todos levem a sério medidas de isolamento e distanciamento social e de higiene pessoal. E entendam que uma quarentena forte é importante agora para que todos possamos voltar às atividades normais logo mais, com menos mortes.
O tempo precioso que é gasto para convencer parte da população de que os números e as cenas que ela está vendo são reais poderia estar sendo usado na prevenção. Infelizmente, Bolsonaro e os negacionistas são bons nesse tipo de guerrilha, como já provaram nas eleições de 2018.
Questionado sobre o numero de mortos da crise, o presidente disse, nesta segunda (20), que não é coveiro, ou melhor, sepultador. Sim, tem razão. Para tanto, teria que ter profundo respeito pelos vivos e os mortos. Coisa que vem demonstrando, dia após dia, não ser o seu forte.