Datafolha indica que bolsonarismo vê a mentira como instrumento de governo
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Uma parcela dos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro parece não se importar se ele mente, nem se interfere na Polícia Federal em prol de seus interesses pessoais. É o que reforça uma análise dos resultados da pesquisa Datafolha, divulgada nesta segunda (27), que já leva em conta a demissão de Sergio Moro do cargo de ministro da Justiça e da Segurança Pública.
Em meio à guerra de discursos entre os dois ex-aliados, 52% dos entrevistados acreditam que é o ex-juiz da Lava Jato que fala a verdade e 20% avaliam que é apenas o presidente. Já 6% não creem em nenhum dos dois e 3% consideram que ambos estão certos. Além disso, 19% não souberam opinar.
No total, portanto, ao menos 23% consideram que Bolsonaro esteja falando a verdade. Ao mesmo tempo, o Datafolha apurou que 33% da população considera o seu governo como bom ou ótimo, enquanto 26% o avalia como regular e 38% como ruim e péssimo. Não sabem, 3%.
Ou seja, 10% dos que o aprovam acreditam que ele está mentindo ou não são capazes de avaliar se ele diz a verdade. Neste caso, acreditar em Moro é reconhecer que o presidente está usando uma instituição da República em benefício próprio.
Outra parte da pesquisa aponta que 56% concordam com que Bolsonaro quer interferir na Polícia Federal e Moro fez bem em deixar o cargo, 28% afirmaram que concordam que ele não quer interferir e Moro errou ao pedir demissão, 12% dizem não saber e 4% discordam das duas afirmações.
A pesquisa também apontou que 21% das pessoas sempre confiam nas declarações de Bolsonaro, 37% confia às vezes, 38% nunca confia e 5% não sabe. Novamente comparando com os 33% que aprovam seu governo, temos que o número dos que veem seu governo como ótimo e bom é 12 pontos maior do que as pessoas que acreditam que ele não mente.
Uma parte dos seguidores do presidente, portanto, sabe que ele está passando por cima dos fatos e tem consciência de que o combate à corrupção nunca foi sua prioridade.
Acredita, contudo, que Bolsonaro deve usar todas as "armas" disponíveis, o que inclui boatos, notícias falsas e outras formas de desinformação, para combater o "inimigo". E sabe que o presidente é isso mesmo o que parece ser, mas - ainda assim - prefere isso a outra opção.
Esse grupo estava com ele antes de o lavajatismo tornar-se aliado conjuntural do bolsonarismo. Não se importa com as rachadinhas dos salários de servidores públicos que atuam nos gabinetes da família - pelo contrário, acham justo, afinal os Bolsonaro trabalham tanto pelo país. E mais do que considerar que Fabrício Queiroz é um injustiçado, veem nele um instrumento nas mãos de Deus para ajudar Jair Messias em sua missão.
O bordão "rouba, mas faz", que coloca a honestidade abaixo de uma suposta competência na execução de uma agenda foi cunhada contra Ademar de Barros, duas vezes governador de São Paulo (1947-1951 e 1963-1966). Outros políticos foram alvo de acusações semelhantes por seus detratores ao longo do tempo, como o ex-governador Paulo Maluf, o ex-presidente Lula e o próprio Bolsonaro.
Já o "mente e não faz" é assumido pela própria torcida organizada do presidente, mostrando um pragmatismo que não se importará se, uma vez revelados os testes para Covid-19 de Bolsonaro, eles se mostrarem positivos - contrariando o que ele mesmo informou.
Para essa claque, o que importará não é que o presidente mentiu e foi vetor de uma pandemia que já matou mais de 4,5 mil brasileiros até agora. Mas que a saúde do presidente "com histórico de atleta" prova que o coronavírus é mesmo "histeria" por ter se manifestado apenas como uma "gripezinha" no "líder supremo".