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Leonardo Sakamoto

Governo dos 600 mortos/dia coloca pobres em risco para pagar os R$ 600

29.04.2020 - Aglomeração e fila em agência da Caixa Econômica para receber o benefício do governo no bairro de Afogados, Recife - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
29.04.2020 - Aglomeração e fila em agência da Caixa Econômica para receber o benefício do governo no bairro de Afogados, Recife Imagem: BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

Colunista do UOL

05/05/2020 23h16

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O Brasil registrou 600 mortes por covid-19 nas últimas 24 horas, totalizando 7.921 até agora. Esses números, claro, são apenas uma amostra atrasada e imperfeita da realidade. Uma quantidade ainda maior de óbitos causados pelo coronavírus, principalmente de pobres, foi declarada como tendo sido resultado de doença respiratória grave ou pneumonia. Roubaram dos mais humildes até o direito de, na morte, se tornarem estatística, o que subdimensiona o problema.

Nas mesmas 24 horas, o país viu cenas de filas formando-se na frente de agências da Caixa para o pagamento do auxílio emergencial de R$ 600,00 a trabalhadores informais e por conta própria. O planejamento torto do governo federal transformou o processo de recebimento de uma pequena boia de salvação durante a pandemia em uma roleta russa de infecção pelo coronavírus.

O que uma situação tem a ver com o outra? A forma como está sendo feita a segunda deve piorar os números da primeira.

A Caixa ampliou o horário de funcionamento para o pagamento do auxílio. Ajuda, mas ainda é pouco, pois são milhões. Pessoas que deixaram de trabalhar porque quarentenas foram corretamente impostas a fim de reduzir a velocidade de contaminação e o colapso do sistema de saúde estão sendo contaminadas ao receber a renda básica para sobreviver durante a quarentena. Com isso, a solução se torna parte do problema, desperdiçando vidas, tempo e dinheiro.

Ampliar o sistema para outros bancos e fintechs para desconcentrar é algo que poderia ter sido feito, mas faltou informação sobretudo. Muita gente foi para as filas sem precisar ter ido.

Vemos na internet representantes da elite paulistana festejando que o pior já passou (alguns festejando literalmente, na maior cara de pau), enquanto bairros pobres, com incidência de favelas, cortiços ou autoconstrução precária registram dez vezes mais mortes que os bairros centrais - como é o caso de Sapopemba, em São Paulo. Não admira que carreatas exijam formas de trazer, o mais rápido possível, a força de trabalho barata de volta para seus negócios.

A tragédia poderia ser pior se não houvessem medidas de isolamento social. E poderia ser mais suave se a população não tivesse ido à rua sem precisar, alcançando 70% de quarentena. Muitos, contudo, atenderam ao canto do cisne do presidente da República - que chama todos a voltarem às suas vidas normais, atestando que quarentena é inútil. Ele, que chegou a afirmar que o pior da pandemia já havia passado, não se importa se os mortos por dia são 100, 200, 600 ou 1000.

Acredita que, seja qual for a contagem, os corpos viram pavimento de seu caminho para a reeleição. É só encontrar a mentira adequada para cada patamar. Da histeria à gripezinha, do "e daí?" à inutilidade da quarentena.

A grande pergunta é o que o naco da parcela humilde da população que o apoia, que está em crescimento, segundo o Datafolha, vai fazer quando não houver mais hospitais e cemitérios disponíveis. Considera-lo o presidente dos R$ 600,00 (uma farsa, aliás, porque foi graças ao Congresso Nacional) ou o presidente dos 1000, 1600 mortos por dia?