Após Teich, o Breve, Bolsonaro quer um terraplanista no Ministério da Saúde
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Teich, o Breve, foi um ministro da Saúde perdido, incompetente e inexpressivo. Foi humilhado repetidas vezes pelo chefe, que ocupou militarmente a pasta e não teve pudores de demonstrar publicamente que o empresário-médico não apitava nada. O resumo de sua passagem foi a patética cena em que descobriu pela imprensa que Jair Bolsonaro decidiu liberar da quarentena academias, salões de beleza e barbearias sem lhe consultar.
Mas nestas poucas semanas que ficou no cargo, apesar das concessões para sua própria dignidade, não abraçou duas aberrações do chefe: o libera-geral da cloroquina para tratar todos os pacientes de covid-19 e a defesa do "isolamento vertical" - a ficção infanto-juvenil de que o vírus mata apenas idosos e pessoas imunodeprimidas e, portanto, para combatê-lo basta trancar esses grupos em casa. Isso levou Nelson Teich ao cadafalso.
O presidente não quer alguém que atue de forma minimamente técnica no Ministério da Saúde. Quer um semovente que diga a ele "sim, senhor!" e "amém".
Bolsonaro tem duas apostas hoje. Primeiro, forçar que a economia volte ao "normal", pois sabe que um desemprego prolongado transformará seu mandato em morto-vivo e sua reeleição, em 2022, em conto da carochinha. O problema é que voltar ao trabalho e reabrir comércios não vai afugentar o vírus, pelo contrário: será o empurrãozinho que ele precisa para passarmos de tragédia para massacre.
Entra, então, a segunda aposta: caso hospitais entrem em colapso, cadáveres se amontoem, faltem recursos para milhões sobreviverem e ocorram saques e protestos, o presidente poderá tomar medidas autoritárias, centralizando poder, em um estado de sítio, suspendendo direitos e liberdades, agindo em nome da garantia da ordem. Com o apoio do que ele chama de "povo, que é o naco radical de seus apoiadores, e setores das Forças Armadas. Um antigo sonho de consumo.
Bolsonaro ataca as quarentenas, chamando-as de "inúteis" em lives nas redes sociais. Afirma, de forma cínica, que elas não foram capazes de impedir as quase 14 mil mortes por covid-19, sendo que as medidas de isolamento social têm sido responsáveis por postergar o colapso do sistema de saúde e, portanto, evitado que o número de óbitos seja muito maior. Culpa governadores e prefeitos pelo desemprego decorrente do isolamento e conclama empresários para uma "guerra" pela reabertura forçada da economia.
Ao mesmo tempo, anunciou, nesta quinta (14), que quer a previsão de uso da cloroquina para sintomas leves de covid-19 e não apenas em quadros mais graves. O presidente não tem provas de que isso dará certo, mas lhe sobram convicções. A questão é que nada indica que o medicamento salvador seja este, como apontam pesquisas em todo o mundo, como as que analisaram milhares de pacientes e foram publicadas no New England Journal of Medicine e no Journal of the American Medical Association. Pelo contrário, há mais problemas do que soluções envolvendo o produto.
Mas a promessa de um elixir mágico e barato ajuda a enfraquecer a importância da quarentena. "Quando um remédio é apontado como a solução, parte da população relaxa os cuidados preventivos. Nesta pandemia, pode parar de usar a máscara, ignorar a quarentena", explica André Nathan, médico pneumologista do Hospital Sírio-Libanês. Afinal, se há uma cura, para que ficar em casa?
Bolsonaro confunde propositadamente o uso compassionado do remédio, quando a situação é limite e há uma suspeita de que, em um caso específico, possa ajudar, com o uso preconizado, baseado em trabalhos científicos. A autorização dada pelo Conselho Federal de Medicina significa que um médico não será acusado de cometer má prática se tratar um paciente ou fizer testes com ele. O que é bem diferente de indicar o uso, o que depende de mais estudos científicos.
Independentemente de quem seja o próximo ministro, Bolsonaro quer alguém obediente, que aceite passar por cima da ciência e da medicina, e o ajude a devolver o Brasil à "normalidade". No fórceps, se for preciso. Ou seja, que em nome da tranquilidade de seu mandato ou da proteção de sua visão autoritária, entregue a população brasileira à própria sorte.