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Leonardo Sakamoto

Bolsonaristas pegam carona em Deus para explicar fogos e tochas contra STF

Bolsonaristas jogam fogos de artifício contra o STF  -  Reprodução
Bolsonaristas jogam fogos de artifício contra o STF Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

16/06/2020 20h07

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Bolsonaristas afirmam que duas ações contra o Supremo Tribunal Federal - o ataque com fogos de artifício e as ameaças com tochas na mão - foram, na verdade, atos baseados na religião. A tentativa de angariar simpatia de evangélicos e católicos da base do presidente e, ao mesmo tempo, livrar a cara dos envolvidos, mostra o modus operandi dos aliados de Jair.

"Eu tenho certeza de que foi um ato religioso", afirmou o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), em entrevista à CNN Brasil, sobre o bombardeio com fogos neste sábado (13). "Estive com pessoas dias depois do evento e me comprovaram, por vídeos e fotos, que estava sim tendo um culto lá." Segundo ele, uma pessoa teria desvirtuado a natureza da manifestação ao gravar um vídeo.

Silveira foi um dos alvos da operação da Polícia Federal que cumpriu, hoje, 21 mandados e busca e apreensão contra aliados de Jair Bolsonaro, como parte do inquérito que investiga manifestações antidemocráticas. O deputado se tornou nacionalmente famoso por posar, sorridente, ao lado de uma placa rasgada com o nome da vereadora executada Marielle Franco, em meio à campanha eleitoral de 2018.

A arquitetura de igrejas e estruturas religiosas cristãs priorizou, ao longo dos séculos, uma ênfase vertical, fazendo com que o olhar dos fiéis fosse direcionados pelas torres e cúpulas ao alto, em respeito a Jeová. Contudo, o céu dos participantes desse culto religioso de Brasília ficava no telhado do STF, porque era para lá que os fogos de artifício foram apontados, podendo causar um incêndio.

Sara Geromini, autodenominada Sara Winter, porta-voz do grupo de extrema direita "300 do Brasil", afirmou em depoimento à PF, após ser presa nesta segunda (15), que o ato com tochas e máscaras na frente do STF, realizado em 30 de maio, foi baseado na bíblia - também segundo registro da CNN. O grupo foi considerado uma "milícia armada" pelo Ministério Público.

Especificamente no livro de Juízes, capítulo 7, versículo 16: "Então dividiu os trezentos homens em três companhias; e deu-lhes a cada um, nas suas mãos, buzinas, e cântaros vazios, com tochas neles acesas". Essa passagem conta o cerco dos 300 de Gideão a um acampamento da tribo midianita - um dos povos que quebravam o pau com os judeus no Velho Testamento.

Se os investigadores tiveram a curiosidade de terminar de ler o capítulo, verão que o cerco não foi nada pacífico e não terminou bem para os midianitas, que acabaram expulsos, perseguidos e tiveram dois de seus príncipes decapitados. Uma escolha peculiar de trecho bíblico para quem disse que fez um ato pacífico. E, na falta de midianitas, o ato atacou o ministro Alexandre de Moraes.

Sem contar que a estética das tochas adotadas pelos "vinte e poucos do Brasil" presentes no ato é semelhante àquelas usadas por supremacistas brancos nos Estados Unidos. Não precisa buscar filmes antigos da Ku Klux Klan, basta ver as tochas do protesto de racistas e neonazistas de Charlottesville, em agosto de 2017.

O fato é que Deus não tem nada a ver com isso, apesar de ser usado da boca para fora pelo bolsonarismo diariamente. A começar pelo próprio Jair Messias, que cita João 8:32 ("Conhecerei a verdade, e ela vós libertará") à exaustão ao mesmo tempo que mente descaradamente ao povo brasileiro sobre a gravidade da pandemia de coronavírus e tenta esconder o seu número de mortos.

Melhor seria que os aliados do presidente, ao invés de usarem justificativas religiosas, tivessem a coragem de assumir que o bolsonarismo-raiz declarou guerra ao Supremo Tribunal Federal porque a cúpula do Poder Judiciário evita que seu líder governe ao arrepio da Constituição. E domingo após domingo, vai às ruas pedir a cabeça não dos ministros da corte.

Não dá nem para citar Lucas 23:34 - "Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem". Por que ele sabem sim. Ô, se sabem.