Fiscal do trabalho é agredido em empresa durante inspeção sobre covid em SP
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O auditor fiscal do trabalho Paulo Roberto Warlet da Silva foi agredido durante inspeção que verificava denúncia de descumprimento de regras de prevenção à covid-19 em um escritório de contabilidade em São Paulo. Em frente a policiais, o proprietário empurrou o fiscal, que foi ao chão e se machucou. Levado à Superintendência da Polícia Federal na capital paulista, por se tratar de um caso envolvendo servidor público federal, o empresário foi preso em flagrante, mas pagou fiança de um salário mínimo e responderá em liberdade.
Warlet foi à empresa na tarde do dia 9 de junho, quando, segundo ele, foi recebido com gritos e xingamentos. Diante da situação, pediu reforço policial. Mesmo com a presença de três agentes, os ataques continuaram.
"Ele colocou uma funcionária para gravar com celular a centímetros do meu rosto. Disse que isso seria postado nas redes sociais com a hashtag "Bolsonaro" e que, em três dias, eu seria exonerado. E que, por isso, era para eu ir me preparando para começar a depender do auxílio emergencial", afirmou. O empresário teria exigido ver a reclamação que deu origem à ação o que, segundo o auditor, não é permitido.
O servidor público afirmou à coluna que, quando se dirigiu a uma área reservada aos quase 80 empregados do estabelecimento, o proprietário o empurrou e, na queda, sofreu escoriações no cotovelo e contundiu as costas. Segundo ele, ouviu ameaças de outra pessoa que estava com o empresário que "sua vida não vale nada fora daqui", "esses três [policiais] não valem nada, a polícia está na nossa mão" e "o mundo vai ficar pequeno para você". Ao final da ação, ele foi ao Instituto Médico Legal (IML) para ser examinado.
Procurado, Paulo Cesar Pereira Júnior, proprietário da SP Assessoria Contábil, afirmou que não vai se pronunciar e proibiu a citação de seu nome e o de sua empresa.
"O que mais incomodou não foi a agressão física propriamente dita, mas a natureza das agressões verbais. Não só pelas palavras de baixo calão, mas pela natureza da intimidação", disse Warlet à coluna.
A Prefeitura de São Paulo autorizou, no dia 5 de junho, a reabertura de escritórios no município, desde que tomadas medidas para evitar a propagação da doença.
De acordo com o auditor, a fiscalização comprovou que o ambiente é propício à disseminação do vírus devido à proximidade dos empregados, aos problemas na circulação do ar, à falta de máscaras, entre outros motivos. "Se uma pessoa estiver doente, haverá contaminação coletiva", explica.
Ataques à fiscalização do trabalho
"O episódio cria um contexto ruim, que gera condições para os empresários descumpridores da lei agirem dessa forma brutal e animalesca. Há uma escalada de reações hostis e violentas à atuação dos auditores", afirmou à coluna Carlos Silva, presidente do Sindicato dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait).
De acordo com ele, somente no ano passado foram seis casos graves de ameaças e agressões a fiscais.
Auditores fiscais do trabalho têm sofrido ataques semelhantes aos de outras servidores públicos que atuam na fiscalização, como funcionários do Ibama, do Incra, do ICMBio, da Receita Federal. O discurso tem sido o mesmo em diferentes áreas: com Jair Bolsonaro no poder, eles não poderiam autuar sob o risco de perderem o emprego ou coisa pior.
A coluna conversou com auditores fiscais que afirmaram que, desde o início do ano passado, sentem uma hostilidade maior entre os empregadores rurais. De deboches e insinuações sobre o fim da fiscalização com a nova conjuntura política até a exposição de armas e ameaças. Tem sido comum empregadores se exaltarem e irem para o enfrentamento mesmo com policiais armados fazendo a segurança de uma operação.
O Sinait divulgou uma linha do tempo com 22 casos de ataques a auditores desde a Chacina de Unaí - quando, em janeiro de 2004, três fiscais e um motorista do então Ministério do Trabalho foram mortos a mando dos fazendeiros Norberto e Antério Mânica, em Minas Gerais - e o caso envolvendo o escritório de contabilidade.
Dois dos exemplos listados foram divulgados pela coluna na época: em maio de 2019, um empregador, insatisfeito com a fiscalização do governo federal que resgatou trabalhadores de sua propriedade e com a posterior inclusão de seu nome na "lista suja" do trabalho escravo, foi até o escritório do Ministério Público do Trabalho, em Fortaleza, e ameaçou que se a situação não fosse alterada ele iria até a Superintendência Regional do Trabalho e cortaria a garganta do auditor fiscal que coordenou a operação.
E, em agosto do ano passado, após Jair Bolsonaro postar um vídeo nas redes sociais com as reclamações de um empresário rural do Ceará, que foi multado por fiscais devido ao flagrante de irregularidades, comentários com incitação à violência contra esses servidores públicos foram postados por seguidores na própria conta do presidente.
"A segurança dos auditores fiscais não é prioridade para o Ministério da Economia, como não era prioridade para o antigo Ministério do Trabalho. Eles têm obrigação de dar uma resposta", afirma. Aponta que a solução passa pela implementação de um protocolo de segurança.
Após o ocorrido, Celso Amorim Araújo, subsecretário de Inspeção do Trabalho, da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, enviou ofício circular a todos os chefes de fiscalização do país determinando que "as inspeções diretas realizadas em estabelecimentos contem com, no mínimo, dois auditores". A ordem vale até que o protocolo seja aprovado.
De acordo com José Antonio Vieira de Freitas Filho, presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), que soltou nota de repúdio ao ocorrido em São Paulo, caso um empregador esteja descontente com uma fiscalização, pode recorrer a medidas legais pela impugnação dos resultados da operação.
"Mas não se pode admitir que uma autoridade pública, no exercício de atribuições inerentes ao poder de fiscalização estatal, sofra qualquer tipo de agressão física ou verbal", afirma.
Colaborou Ana Magalhães.