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Leonardo Sakamoto

Adiamento das eleições: Para atender TSE, deputados dão fôlego a prefeitos

Antes da mudança nas datas das votações pelos deputados, as eleições seriam realizadas em outubro                              - CLEIA VIANA/CâMARA DOS DEPUTADOS
Antes da mudança nas datas das votações pelos deputados, as eleições seriam realizadas em outubro Imagem: CLEIA VIANA/CâMARA DOS DEPUTADOS

Colunista do UOL

01/07/2020 21h14

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Por Fernando Neisser*, especial para a coluna

Para atender à demanda do Tribunal Superior Eleitoral de adiar as eleições por conta da pandemia de coronavírus, deputados federais garantiram recursos para que prefeitos de suas bases - que estão com as contas destruídas pelo impacto econômico da covid-19 - possam chegar até o final do ano. O que parece um "toma lá, dá cá" é, na verdade, um dos raros exemplos de diálogo político, protagonizado pelo TSE e o Congresso Nacional, com o apoio da opinião de especialistas - tanto da área médica e epidemiológica, quanto de entidades jurídicas, como a Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político.

O Congresso alterou, nesta quarta (1), a Constituição Federal para transferir o primeiro turno para 15 de novembro e o segundo, onde houver, duas semanas depois, para o dia 29. O ministro Luís Roberto Barroso, novo presidente do tribunal, conduziu o processo, em conjunto com os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre. Mesmo em tempos bicudos, nos quais parte das instituições mostra-se incapaz de cumprir suas missões, outras apontam que podemos e devemos seguir acreditando na democracia como melhor forma de tomada coletiva de decisões.

Inicialmente, a Câmara resistiu à ideia do adiamento, mesmo com um consenso médico e um pedido da Justiça Eleitoral por mais tempo. Deputados e deputadas são mais sensíveis à pressão exercida pelos prefeitos e prefeitas em exercício. Dentro das pirâmides de poder que se organizam no Brasil - independentemente dos partidos - em regra, deputados lideram grupos políticos e reúnem, em torno de si, administradores municipais.

Uns dependem dos outros nas eleições. Prefeitos fazem campanha nas cidades em prol dos deputados de quem são próximos. Deputados levam benefícios, emendas e afins àqueles municípios, fortalecendo a posição dos prefeitos em busca de continuidade dos grupos no poder local.

Quando as doações empresariais de campanha eram autorizadas, os deputados corriam atrás de dinheiro para ajudar a custear as campanhas dos prefeitos. Agora, com primazia dos fundos públicos, são os mesmos deputados que brigam, dentro do partido, para que os prefeitos de seu grupo recebam uma parte maior do bolo.

Mas é uma via de duas mãos. Há muitos deputados no jogo. Se um deixa de atender às demandas do município, sempre aparece outro para puxar o prefeito ao seu grupo.

Os senadores, por outro lado, estão mais distantes desse mundo. Sua relação é mais direta com os governadores. Daí porque a PEC passou com maior fluidez no Senado. Foi, aliás, politicamente eficaz começar por lá a tramitação.

Nessa dinâmica, os atuais prefeitos que querem a reeleição (ou, se já reeleitos, tentam fazer sucessor) atuaram para não precisarem enfrentar as urnas em 2020. Ninguém queria ser o gestor da crise - de saúde e econômica. Ou seja, buscaram construir uma inconstitucional extensão dos mandatos por dois anos, para que as eleições fossem todas unificadas em 2022.

Não conseguiram. O Supremo Tribunal Federal sinalizou que uma mudança dessa, mesmo por PEC, seria inconstitucional por violar a cláusula pétrea da periodicidade do voto. Há quatro anos fez-se um acordo: aqueles mandatos durariam até o final de 2020. Isso não pode ser quebrado. Diante do cenário, estando fora da mesa a opção que lhes era preferível, passaram a defender a manutenção das eleições em 4 de outubro.

Alguns são os motivos para isso. Em primeiro, quem está no poder sempre quer que a oposição tenha menos tempo para se fazer conhecer e lançar suas críticas à gestão. Em meio à pandemia isso se agrava, uma vez que poucas são as prefeituras que estão conseguindo corresponder às demandas da população e, portanto, tendem a estar com o telhado bastante frágil às pedradas do outro lado.

Mas não só. Há ainda uma questão orçamentária.

As prefeituras já estão quebradas há tempos no Brasil. Com a pandemia isso se agravou. Os prefeitos sabem que não iriam conseguir manter os serviços públicos funcionando adequadamente, com a zeladoria bem-feita, enfim, a cidade arrumada até o final do ano. Contavam que somente precisariam manter as coisas ajeitadas até o início de outubro. Levar as eleições até o meio de novembro estava fora do planejamento orçamentário. Daí o desespero.

Exatamente aqui que os deputados entraram em jogo. Especialmente aqueles do "centrão", partidos com grande número de prefeitos e muito dependentes deles para formação de sua base política. Se não era possível segurar a onda pelo adiamento das eleições, conseguiram negociar uma extensão dos créditos dados às prefeituras pelos fundos de participação, garantindo sobrevida fiscal até perto do final do ano.

Feito o acordo, veio a aprovação.

Não se trata de um "toma lá, dá cá", no sentido pejorativo do termo. Mas da construção de consensos, o que exige que cada lado ceda um pouco até que se chegue a um ponto intermediário aceitável para a maioria.

É ruim que prefeitos queiram eleições rapidamente para impedir as oposições de crescerem. Não levaram essa.

É normal que queiram então garantir que suas cidades não caiam aos pedaços. Independentemente de quão bem as administram, a pandemia destroçou o caixa de qualquer prefeitura. Levaram essa.

A Justiça Eleitoral pedia mais tempo para organizar as eleições com segurança, garantir álcool gel e máscaras a todos que precisarem, preparar os protocolos. Conseguiu. Mas se sujeitará ao Congresso Nacional caso veja necessidade de novos adiamentos pontuais em cidades que ainda estejam muito afetadas em novembro.

Assim é a política. Um jogo em que a soma não pode ser zero. Há que se ganhar, coletivamente, mais do que se perde. Esse, aliás, é um dos motivos fundamentais pelos quais a democracia direta não se coloca como uma alternativa real à democracia representativa.

Não se trata de faltarem os meios para consultar a população rapidamente e de forma segura a cada decisão a ser tomada. A questão principal é que as decisões plebiscitárias - do tipo "sim" ou "não" - escapam da ideia de busca pelo caminho do meio. Não há diálogo, mas apenas luta para ver quem leva tudo.

Vejam que tampouco discute-se que a população não seria capaz de se informar sobre o tema em discussão. Dependendo do assunto, pode, claro. O problema principal é o maniqueísmo que isso gera. Quando passamos por um momento tão difícil, em que o mundo parece oferecer apenas opções antagônicas, é um alento ver a política sendo construída.

(*) Fernando Neisser, doutor em Direito Penal pela Universidade de São Paulo, advogado especialista em direito eleitoral e um dos fundadores da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).