Reeleição de Bolsonaro depende do auxílio emergencial virar "Talkey Brasil"
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"Até 2022, no meu governo, está proibido falar a palavra Renda Brasil. Vamos continuar com o Bolsa Família. E ponto final."
Quem assiste ao presidente da República ameaçar sua equipe, em um vídeo postado nas redes sociais, nesta terça (15), pensa que é ela quem quer dar uma turbinada no programa de transferência de renda criado por Lula para garantir a própria reeleição em 2022.
Mas foi ele quem deu a missão da Paulo Guedes para se virar nos 30 e conseguir recursos para que os impactos positivos à sua popularidade trazidos pelo auxílio emergencial continuassem a partir do ano que vem. A questão é que a equipe econômica do seu governo não sabe trabalhar com a hipótese dupla de revisar o teto de gastos e taxar super-ricos, por exemplo. Daí, surgem propostas socialmente bizarras como acabar com o abono, suspender seguro defeso, mudar o seguro-desemprego e reduzir o alcance do BPC.
Diante disso, Jair Bolsonaro disse que dará "cartão vermelho" para quem propuser medidas que tirem "dinheiro dos pobres para dar aos paupérrimos". Afirma que foi surpreendido por manchetes de jornais dizendo que seu governo estuda revisar dois milhões de benefícios concedidos hoje a idosos em condição de miséria e pessoas com deficiência a fim de garantir recursos ao Renda Brasil. A surpresa dele surpreende. Afinal, Guedes fez o que sabe fazer.
Tudo isso é tão escrachado que, se não fosse a reação de desgosto da equipe econômica diante do vídeo, daria até para conjecturar se tudo isso não foi armado por outra equipe, a de comunicação, para reforçar a ideia de que o povão não precisa de Lula por que tem Bolsonaro. Nada como um presidente que diz não para propostas injustas de sua equipe para transmitir pulso e sabedoria, não é mesmo?
No que pese a busca por evitar fraudes na concessão de benefícios seja algo legítimo e necessário, colocar na roda a questão de benefícios a idosos pobres soa, junto à população, como a ação de um Robin Hood desmiolado, que tira dos pobres para dar aos mais pobres ainda. Isso é tão evidente que parece uma bola jogada ao ar para o presidente cortar.
Bolsonaro pode ter desistido de criar algo chamado "Renda Brasil". Mas ele tentará bombar o Bolsa Família (R$ 190 de benefício médio e 14,2 milhões de famílias) para deixa-lo com a cara da segunda fase do auxílio emergencial que vigora até o final do ano, de R$ 300 mensais. E com o dobro dos beneficiários do Bolsa. Pois foi o valor transferido para garantir a sobrevivência de trabalhadores informais na pandemia que garantiu que sua aprovação subisse.
Diante de seu terraplanismo biológico, parte da classe média o abandonou. Isso foi mais do que compensado não apenas pela parcela dos que receberam o auxílio emergencial de R$ 600/R$ 1200 por cinco meses, mas também pelos beneficiados indiretamente. Afinal, o consumo aquecido pelas dezenas de bilhões injetados na forma de auxílio que fez com que o tombo da economia não fosse mais cavernoso ainda nos últimos meses.
O presidente proibiu que "Renda Brasil" seja pronunciado no governo. O mesmo vale para a ideia de garantir uma transferência de renda significativamente maior do que é pago hoje pelo Bolsa Família para ajudar em sua popularidade e em sua reeleição de 2022? Certamente, não.
A proibição é pura questão de semântica. Como diria William Shakespeare, "que há num simples nome? O que chamamos rosa, sob uma outra designação teria igual perfume".
Ou questão de política, uma vez que o Renda Brasil já ficou por demais vinculado à ideia de tirar dos pobres para dar aos mais pobres devido aos balões de ensaios enviados à mídia sobre as formas socialmente insensíveis de financiá-lo sem furar o teto dos gastos.
Há bons projetos no Congresso Nacional que aproveitam o auxílio emergencial para criar um programa de renda básica decente. Que, sim, vai custar caro, mas reduzirá a desigualdade social no Brasil e, com ela, coisas como a mortalidade infantil e a evasão escolar. No momento de pós-pandemia, isso também vai evitar uma convulsão social devido à fragilidade da economia.
Em qualquer democracia que faz jus a esse nome, recursos para um programa como esse deveriam vir de uma Reforma Tributária que aumentasse a progressividade na cobrança de impostos, tirando dos super-ricos, através de taxação de megapatrimônios e altíssimas rendas.
Além da dificuldade do que isso representa em um Congresso Nacional cuja elite econômica está pornograficamente super-representada, há o fato de que isso também demandaria revisão da emenda constitucional do teto de gastos. Coisa que não tem simpatia do ministro da Economia, aquele que vem levando passa-moleque do presidente da República e está na corda bamba.
Bolsonaro ganhou um presentão político do Congresso Nacional quando deputados e senadores rejeitaram sua proposta original de um auxílio emergencial de R$ 200 e elevaram-no.
Como aqui já escrevi, ele sabe que seu futuro político depende mais de um programa de transferência de renda parrudo do que do respeito às balizas fiscais e da preocupação com o endividamento. Por mais que diga que não há dinheiro para tanto, que o valor é pouco para quem recebe, mas muito para quem paga, entende que ficará com os dividendos políticos.
Para o mercado e os liberais que o apoiam, o presidente busca se apresentar minimamente como responsável fiscal. Esse personagem veta calote de dívidas de igrejas aprovado pelo Congresso Nacional. Para o povão e sua base social, quer aparecer como aquele que garante dinheiro para os pobres e sugere que seu próprio veto ao calote seja derrubado por deputados e senadores em nome de Deus.
Pode não ser Renda Brasil, mas falará bastante de Bolsa Família Reloaded ou Talkey Brasil.