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Leonardo Sakamoto

Dez fatos sobre a eleição em SP: Do salto de Boulos às fakes de fraude

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Imagem: Arte/UOL

Colunista do UOL

16/11/2020 02h20Atualizada em 17/11/2020 21h04

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O primeiro turno da eleição à Prefeitura de São Paulo terminou. Os paulistanos decidiram que Bruno Covas (PSDB) e Guilherme Boulos (PSOL), dois candidatos que criticam duramente Jair Bolsonaro (sem partido), fossem para o segundo turno. Independentemente de quem ganhe, a extrema direita saiu derrotada na capital - o que abre uma série de perguntas sobre 2022. O candidato do presidente, Celso Russomanno (Republicanos), terminou em quarto lugar, ostentando 50% de rejeição, mesmo valor da taxa de reprovação de Bolsonaro em São Paulo.

Como estamos em um ano atípico, pandêmico, com o período de campanha encurtado, Covas e Boulos já começam a todo o vapor nesta segunda (16), mirando o segundo turno, no dia 29 de novembro. Para ajudar a situar os leitores, a coluna reuniu dez fatos da eleição deste domingo (15) na capital paulista.

1) Boulos descolou de França em um ambiente com maior abstenção

A pandemia pode ter levado eleitores mais velhos e menos engajados a não irem votar, abrindo caminho para um crescimento da proporção de jovens e eleitores mais engajados. A abstenção foi de 29,3%, em 2020, maior que os 21,84% da eleição de 2016. Isso pode ter sido uma das razões da redução do voto de Bruno Covas de 38% (Ibope) e 37% (Datafolha), ambas de sábado (14), para 32,86% dos válidos. Mesmo assim, venceu em todos os distritos.

Enquanto isso, Guilherme Boulos foi de 16% (Ibope, margem de erro de três pontos) e 17% (Datafolha, margem de dois pontos) para 20,24% - afastando-se de Márcio França (PSB), que estava colado nele pesquisas e ficando acima da margem de erro. A campanha do psolista afirma que houve uma onda de mudança de voto a seu favor na reta final, puxada em muito pelos jovens. E não apenas os da classe média da região central. Ao contrário do que pregaram analistas, Boulos teve votação expressiva nas periferias, ficando em segundo lugar na grande maioria dos distritos de São Paulo.

2) Russomanno desabou e Arthur do Val deu um sprint final

O que também pode ter refletido no voto jovem e engajado à direita. Arthur do Val (Patriota) foi de 7% (Ibope) e 6% (Datafolha), mas fechou com 9,78% dos votos válidos, ficando à frente de Jilmar Tatto (PT) - 8,65%. Com discurso mais jovem e uma campanha de redes sociais, ele conseguiu engajar esse público bem melhor que Celso Russomanno - que terminou quase empatado com ele, com 10,5%. O deputado federal, dessa forma, cristaliza a sua fama de "cavalo paraguaio". Essa é a terceira vez que começa em primeiro, mas derrete ao longo da campanha.

Não é garantia que essa mudança no perfil do eleitor por conta da abstenção se mantenha no segundo turno.

3) Tradição da esquerda no 2º turno está de volta

A esquerda vai novamente ao segundo turno de uma eleição em São Paulo, tradição que se repete desde 1992, sendo quebrada apenas em 2016, quando, no auge do antipetismo, Joao Doria (PSDB) ganhou no primeiro turno. A diferença é que, agora, não é um representante do PT, mas do PSOL - partido que nasceu de uma dissidência.

No total, as duas agremiações juntas tiveram quase 29% do eleitorado - número que era considerado a base histórica do partido de Lula na cidade. Boulos contou com apoio, desde o começo, de parte dos militantes e intelectuais do PT que desafiaram a escolha do partido em Tatto e pregaram o voto no coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto desde o começo. Boulos havia dito que se Fernando Haddad lançasse candidatura, ele não colocaria a sua.

4) Falhas no TSE são usadas como pretexto pela máquina de guerra bolsonarista

O atraso na divulgação dos votos devido aos problemas técnicos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ocorrido logo após a lentidão do aplicativo de consulta ao local de votação e de justificativa da ausência na eleição (observação: uma coisa não teve a ver com a outra) foram usados pela máquina de guerra bolsonarista como deixa para que começassem a disparar teorias da conspiração a fim de desacreditar o resultado. Plagiando Donald Trump, militantes e parlamentares defenderam que o sistema eleitoral é inseguro e denunciaram fraudes sem apresentar provas. Com isso, disfarçaram resultados ruins nas urnas.

Aproveitaram para pedir a adoção do voto impresso, antiga bandeira de Bolsonaro, o que nos faria retroceder décadas. Reportagem da Folha de S.Paulo mostra que investigação da SaferNet, que atua com o Ministério Público Federal na segurança das eleições, aponta que ataques hackers foram planejados para sobrecarregar o sistema do aplicativo, permitir a alegação de fraudes e reduzir a credibilidade da Justiça Eleitoral.

5) Com 1,84%, Joice diz, sem provas, que eleição tem "cheiro" de fraude

A candidata Joice Hasselman (PSL), antiga aliada e hoje inimiga declarada da família Bolsonaro, postou no Twitter, em resposta ao comentário de uma seguidora que reclamou da baixa votação que ela teve (1,84%) e do fato de Boulos ter ido ao segundo turno: "Fraude? Será? Tem todo o cheiro." Não apresentou provas.

Tal como fez várias vezes com o presidente Trump, a rede social colocou um aviso na postagem da deputada federal, alertando que aquela informação era contestada.

6) Brasil não é os EUA, eleitores daqui não aceitam atrasos

Um problema foi a sobrecarga no servidor do TSE, causada por um ataque que o inundou de acessos falsos a fim de derrubá-lo, que atingiu uma estrutura fragilizada. Um dos dois sistemas havia sido colocado, por segurança, para backup após os ataques de hackers ao Superior Tribunal de Justiça na semana passada, o que deixou apenas um para a conexão com os apps de consulta. Durante a votação, o Tribunal Superior Eleitoral chegou a culpar o fato de os eleitores terem deixado para baixar o aplicativo no dia da eleição, explodindo o tráfego, o que gerou revolta nas redes sociais.

Outra coisa foi a demora na divulgação dos votos gerada por um problema em um dos supercomputadores que processa os resultados, segundo o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso. Fontes no tribunal disseram à coluna que isso foi decorrência da centralização das totalizações no TSE, ao invés dos Tribunal Regionais Eleitorais, por questões de segurança após os ataques hackers ao STJ. O atraso de algumas horas na divulgação do resultado acabou gerando ansiedade, principalmente em São Paulo. Nas redes sociais, muitos reclamaram que os brasileiros não toleram mais uma apuração que atrase, afinal não somos os Estados Unidos.

7) Sistema eleitoral continua seguro, mas isso não isenta TSE de críticas

O sistema de votação, transmissão e totalização, que é independente, continua seguro e à prova de fraudes. Não houve problemas com o envio de dados, até porque as urnas não usam a internet. O que não isenta o Tribunal Superior Eleitoral de críticas por não se preparar adequadamente, evitando transtornos aos eleitores e uma demora, mesmo que de algumas horas, no resultado.

Fontes ligadas ao próprio tribunal dizem que o TSE precisa melhorar seus sistemas digitais para evitar problemas, como a sobrecarga por excesso de uso ou de ataque externo. Até porque é previsível que eleições sejam alvo de ataques e que isso passe a ser usado para inundar a rede com desinformação. Um arranhão no sistema eleitoral, um dos pilares da democracia, pode reduzir a credibilidade nas instituições.

8) Bolsonaro saiu derrotado em São Paulo, mas não passou recibo

No final da noite de domingo, o próprio Jair Bolsonaro, que viu seus ungidos, de Russomanno à Wal do Açaí, sua ex-funcionária fantasma em Angra dos Reis, irem mal nas eleições e a força da extrema direita ser colocada em dúvida, agiu como um pombo enxadrista - que, ao perder, derruba as peças, faz porcaria no tabuleiro e sai cantando vitória.

Disse que as urnas sinalizaram que "a onda conservadora chegou em 2018 para ficar". E, abastecendo sua máquina de guerra nas redes sociais, afirmou que, em 2022, "consolidaremos nossa democracia com um sistema eleitoral aperfeiçoado". Provavelmente, falava do voto impresso, cuja chance de ser autorizada pelo STF é a mesma do tal camelo passar pelo tal buraco da agulha. Na declaração, está embutida uma crítica ao atual sistema eleitoral - acusado de fraude sem provas por sua máquina de guerra nas redes sociais.

9) Suplicy é o vereador mais votado do Brasil - de novo

O vereador mais votado do Brasil foi Eduardo Suplicy (PT), reeleito em São Paulo, com 167.427 votos - em 2016, ele teve 301.446. Milton Leite (DEM) ficou em segundo com 132.512, seguido pelo estreante Delgado Palumbo (MDB), com 118.309. Dos 55 vereadores eleitos, 25 fazem parte da coligação de partidos que colocou Bruno Covas no segundo turno, enquanto apenas seis vereadores são da coligação de Guilherme Boulos - 14 se contar o apoio do PT no segundo turno. O tamanho da base de governo no legislativo municipal, contudo, depende da eleição do próximo prefeito no dia 29 de novembro.

Um curiosidade: Carlos Bolsonaro (Republicanos) não conseguiu se tornar o mais votado do Brasil. Ficou em segundo no Rio, com 70.990, uma quantidade um terço menor que em 2016. Uma curiosidade: à frente do 02, ficou o vereador Tarcísio Mota (PSOL), com 86.223 - terceiro colocado ao governo fluminense na eleição de 2018 e grande amigo de Marielle Franco. Monica Benício (PSOL), viúva de vereadora executada cuja morte segue impune, também foi eleita.

10) PT e PSDB terão as maiores bancadas na Câmara, com oito vereadores cada

Em São Paulo, o PT teve 652.311 votos para a Câmara e junto com o PSDB, que teve 623.701 votos, elegeu a maior bancada - com oito vereadores cada. Com isso, o PT perde uma cadeira e o PSDB, três, com relação a 2016. O PSOL teve a terceira maior votação, com 443.922, e ficará com seis vereadores - quatro a mais que na última eleição. O DEM, que teve 439.314, também fica com quatro.

Se ainda descontasse a votação de Suplicy, o PT teria a segunda maior votação. Como o partido pode ficar com 12,76% dos votos para a Câmara e 8,65% para prefeito e o PSOL tem 8,68% para a Câmara e 20,24% para prefeito? Além de contar com mais puxadores de votos e candidatos à reeleição, pode ter ocorrido um fenômeno com o PT que sempre ocorreu com o PSOL. O partido de Boulos era, não raro, a opção do Legislativo de uma parte dos votos petistas. Com petistas desaguando votos no PSOL para o Executivo, podem ter direcionado seus votos para a Câmara ao PT.