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Leonardo Sakamoto

Doria vai a Miami na hora em que explode a 'bomba' que armou nas eleições

Governador João Doria - Divulgação
Governador João Doria Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

24/12/2020 09h48

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João Doria endureceu as regras do isolamento social em São Paulo e foi para Miami. O ato é semelhante ao político que, em meio a mortes causadas por deslizamentos de terra e enchentes na temporada de chuvas, resolve tirar férias em um lugar ensolarado, afirmando que tem direito ao descanso.

"Trabalhei ininterruptamente ao longo de 2020, sacrificando o convívio familiar, especialmente com a Bia, minha esposa", postou no Twitter.

Mesmo que tenha voltado correndo quando o caso degringolou nas redes sociais (usando como justificativa o teste positivo para covid do seu vice), deixou a impressão do "façam o que eu digo, não façam o que eu faço" - um dos erros mortais para políticos, pois cristaliza a imagem de hipocrisia.

A questão não é se o governador merece um descanso, porque todos os brasileiros merecem depois de um ano merda (a sinceridade fede, desculpem), principalmente aqueles que estiveram na linha de frente. Mas deveria ficar em São Paulo, ao menos de sobreaviso, como ficarão tantos profissionais de saúde em meio ao caos causado pela segunda onda da pandemia.

Caos que ele, apesar de ter sido um contraponto racional ao governo federal durante boa parte da pandemia, ajudou a piorar.

Ignorando as recomendações de especialistas, de que era necessário endurecer as regras da quarentena em novembro por conta do salto na ocupação de UTIs por pacientes com covid-19 em hospitais públicos e particulares, o governador esperou para fazer isso em 30 de novembro - dia seguinte à reeleição de seu aliado, Bruno Covas.

Foi avisado que essa demora com cheiro de cálculo eleitoral custaria a tranquilidade de cidadãos e comerciantes no Natal e no Ano Novo, pois a bomba explodiria mais à frente. João Gabbardo, coordenador executivo do Centro de Contingência ao Coronavírus em São Paulo, afirmou que foi recomendado a João Doria a adoção de medidas mais restritivas. O governador paulista decidiu esperar a data marcada para a revisão das fases. Coincidentemente, um dia após a eleição.

O problema é que a ressaca de um vírus não respeita, nem obedece o tempo da política. Afinal de contas, ele é um vírus.

Nada mais justo, portanto, que permaneça em São Paulo e enfrente as consequências disso como todos nós.

A postagem do governador contrasta com um médico socorrista que atende no Samu da capital e me conta que não vê os pais desde o início do ano e ficou meses sem encontrar os filhos. Enquanto Doria ia para Flórida, ele via o número de pacientes de covid aumentar novamente em sua ambulância.

A questão aqui não é demagogia de quem cobra do governador um comportamento de santo, ele tem direito a ir para Miami. Mas a população também tem direito de preferir um político que sinta empatia e não fuja para o paraíso, com o passaporte diplomático que o cargo lhe conferiu, deixando seus governados numa situação de inferno.

Pior: que viaje sem ter divulgado os dados completos sobre a eficácia da Coronavac, vacina desenvolvida pela chinesa Sinovac, que será produzida pelo Instituto Butantan. A coletiva que adiou, novamente, o anúncio dos resultados foi feita sem a presença do governador.

Divulga-se que os dados mostram que ela é segura. Mas a pergunta é: o quanto é eficaz? Com o início do calendário de vacinação do Estado marcado para 25 de janeiro, o governo ainda não tem essa resposta.

Não importa que ele possa entrar via Zoom em uma reunião de emergência enquanto caminha de bermuda na Lincoln Road. A questão é que algo que um estadista entende bem e talvez um gestor não compreenda totalmente é que a população espera solidariedade em momentos de tragédia e catástrofe.

Solidariedade não é apenas mandar mensagens de que sente muito, mas mostrar que estamos todos juntos no barco. E que, se ele afundar, afundamos todos.

O Brasil está cansado de castas que fazem reservas de bote salva-vidas apenas para si e os seus, por isso o pedido de "reserva de vacina" por parte do STF e do STJ irritou tanto.

Com isso, Doria foi novamente comparado a personagens com déficit crônico de empatia, como o presidente Jair Bolsonaro, mostrando que ele terá que se esforçar mais para tentar abandonar a ideia de "BolsoDoria" que ele mesmo criou.