Sem auxílio emergencial, quanto tempo levará para Bolsonaro desidratar?
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Durante 2020, o pagamento do auxílio emergencial a 67,9 milhões de brasileiros ajudou a espantar a responsabilidade do governo federal pela falta de ações para combater o coronavírus e pelas mortes decorrentes disso.
Agora, com o fim do benefício, a dúvida é se uma parcela dos beneficiados ficará agradecida a Bolsonaro o suficiente até a eleição de outubro de 2022 ou se a deterioração da qualidade de vida levará embora os ganhos de popularidade trazidos pelo auxílio.
Graças ao Congresso Nacional, que pressionou o governo federal a abandonar a ideia ridícula de pagar apenas R$ 200 para trabalhador informais e desempregados durante a crise, milhões puderam segurar as pontas na primeira onda da pandemia.
E não só isso. Parte da inflação no preço de alimentos, como a carne bovina, se deve ao fato de uma massa de pessoas estarem consumindo-os regularmente pela primeira vez. A escassez de materiais de construção também é um indicador do impacto, com famílias aproveitando para colocar um vaso sanitário no banheiro ou terminar o puxadinho.
A renda básica acabou se tornando parte essencial da complexa dinâmica da pobreza, mostrando que ela deveria ter vindo para ficar.
"Erguemos os barracos com os recursos do auxílio emergencial. Muitas famílias que estão aqui não têm dinheiro por causa da covid e já haviam sido despejadas de outros lugares", afirmou à coluna Valdirene Ferreira, uma das coordenadoras de uma ocupação no Jardim Julieta, zona norte da capital paulista, que reuniu famílias que já haviam sido despejadas de outros locais por conta da crise.
Bolsonaro manteve aprovação recorde de 37% por conta do auxílio
A quantidade dos que consideram o desempenho de Bolsonaro frente ao coronavírus como ruim e péssimo partiu de 33% em março, quando ocorreram as primeiras mortes pela doença no país, até chegar a um pico de 50% no final de maio. Após isso, com os efeitos do auxílio emergencial, foi caindo até chegar a 42% em pesquisa Datafolha de dezembro.
Em agosto e dezembro, a aprovação global do governo Bolsonaro permaneceu em 37%, o melhor nível desde o início de seu mandato - era de 32% em abril. Já a desaprovação, que subiu até 44% em junho, tombou para 32% em dezembro - muito por conta da transferência emergencial de renda.
Como os brasileiros pobres não se alimentam de fake news de "mamadeira de piroca", ao contrário dos 12% a 16% da parcela bolsonarista-raiz da população, ficam dúvidas: quanto a desaprovação ao governo e à forma do presidente enfrentar a pandemia devem subir com o fim do auxílio emergencial e qual a velocidade em que isso deve acontecer?
Seu negacionismo quanto à pandemia e seu desapreço pelo meio ambiente foi afastando uma parte da classe média que o apoiava originalmente. Essa fuga foi reposta pelo apoio que recebeu de parte daqueles que recebem o auxílio, grupo que recebe até três salários mínimos, numericamente mais numeroso.
Presidente depende da base que era do lulismo para se reeleger
Mirando a conquista da base lulista e a reeleição em 2022, Bolsonaro sabe que seu futuro político depende mais de um programa de transferência de renda parrudo do que do respeito às balizas fiscais e de preocupação com o endividamento.
Há uma massa de pessoas pobres que não gosta dele, mas que é pragmática a ponto de saber que não faz sentido mudar uma situação que lhe é benéfica - ainda mais em um país que quase sempre lhe dá as costas. Mas que, assim como veio, pode partir, por não ver razões para lhe dever lealdade.
Enquanto o IBGE divulgava, no último dia 29, que o desemprego atingia 14,3% no trimestre encerrado em outubro, com 14,1 milhões procurando serviço sem sucesso, a Caixa começava a realizar o último depósito do auxílio emergencial.
A partir de agora, a grande maioria está por sua própria sorte. Desse total, 14,2 milhões voltam a receber o Bolsa Família - em média de R$ 192 mensais. Enquanto isso, cresce o número de internações e de mortes por covid-19.
Não é à toa que Jair Bolsonaro incentivou que todos mantivessem a "normalidade", voltando ao serviço mesmo nos piores momentos da pandemia. Avalia que, como tem mais gente sem trabalho do que morta pela covid, pesa mais o impacto de 14,1 milhões de desempregados do que 202 mil óbitos.
Por enquanto, ele tem repetido a recomendação de seu ministro da Economia, Paulo Guedes, dizendo que não há dinheiro para continuar o benefício.
Mas caso a desidratação da popularidade seja forte e a segunda onda da pandemia se estenda, ele pode muito bem mandar o ministro para a Disney.