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Leonardo Sakamoto

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Reforma de Bolsonaro é sinal de fraqueza, não de autogolpe de Estado

Reuters
Imagem: Reuters

Colunista do UOL

29/03/2021 19h20

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A reforma ministerial que Jair Bolsonaro realizou, nesta segunda (29) tentou acomodar os interesses do centrão e diminuir, dessa forma, a tensão surgida com as cobranças relacionadas à ineficácia do governo no enfrentamento à pandemia. Além disso, procurou aumentar a influência presidencial sobre as instituições do governo federal que andam armadas. Tudo numa tentativa de demonstrar força diante do desastre na condução da pandemia e da perda de apoio do empresariado.

Um presidente é livre para fazer muita coisa, desde que seja previamente autorizado por lei para tanto. A lei não permite, por exemplo, usar as Forças Armadas para fazer pressão sobre outros poderes ou utilizar a Advocacia-Geral da União (AGU) para defender interesses pessoais. Por isso, trocas no Ministério da Defesa e na Advocacia-Geral da União foram no sentido de permitir o esgarçamento de limites.

Para Bolsonaro, foi imperdoável que o advogado-geral José Levi não tenha assinado a Ação Direta de Inconstitucionalidade 6764, através da qual o presidente pediu ao Supremo Tribunal Federal que governadores não pudessem decretar lockdown. O STF negou a ação.

Ou que o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, não fizesse de tudo para tornar real uma expressão sistematicamente usada pelo presidente: "meu Exército". O mesmo vale para o comandante da força, general Edson Pujol - que deve sair com as mudanças.

Bolsonaro disse que queria mais "demonstração de apreço do Exército", apesar da instituição dever lealdade à Constituição e à democracia e não a indivíduos que, momentaneamente assumem cargos públicos. Deseja que a cúpula e os oficiais demonstrem o mesmo apreço que ele sabe que tem entre soldados, cabos e sargentos. Em sua carta de despedida, Azevedo e Silva afirmou que, enquanto esteve no cargo, "preservei as Forças Armadas como instituições de Estado".

Ao mesmo tempo, o presidente quis assentar os interesses do centrão em seu governo para garantir apoio que o afaste de um processo de impeachment, que depende do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ou de uma CPI da Pandemia, que está nas mãos do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

Bolsonaro já havia negado à sua base no Congresso a sugestão do nome para substituir o então ministro da Saúde Eduardo Pazuello, corresponsável junto com ele pelo patamar de mortos por covid-19. E demorou para trocar o chanceler Ernesto Araújo, cujos ataques à China e a defesa de posições negacionistas ajudaram a atrasar a importação de insumos para vacinas.

Bolsonaro moveu o ministro-chefe da Casa Civil, general Walter Braga Netto, para a Defesa e o ministro-chefe da Secretaria de Governo, general Luiz Carlos Ramos, para a Casa Civil.

Com isso, liberou a Secretaria de Governo, responsável pela articulação com o Congresso Nacional (negociação de emendas e cargos, por exemplo), para o centrão. Será ocupada pela deputada federal Flávia Arruda (PL-DF), esposa do ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda - primeiro governador encarcerado durante o mandato por um caso de corrupção.

Com a saída de André Mendonça do Ministério da Justiça, a pasta foi entregue ao atual secretário de Segurança Pública do DF, delegado da Polícia Federal Anderson Torres, amigo do senador Flávio Bolsonaro e próximo da bancada da bala. Ele já havia sido cotado para ser delegado-geral da PF e sido o pivô de uma das crises de Bolsonaro com o então ministro da Justiça Sergio Moro. Agora, vai controlar a instituição que controla a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal.

Por fim, o Ministério das Relações Exteriores terá um nome mais palatável ao centrão, ou seja, que não é terraplanista e negacionista como Ernesto Araújo, que se demitiu hoje. O novo chanceler, embaixador Carlos França, teve como última missão no exterior o posto de ministro-conselheiro em La Paz, na Bolívia.

Embaixadores com os quais a coluna falou elogiaram França em comparação com outros nomes que estavam na disputa, como o do embaixador Luiz Fernando Serra, mas afirmaram que ele não tem a experiência que de espera de um chanceler. Mas, segundo eles, ele sabe que as vacinas não contém microchips para que os chineses controlem as mentes dos brasileiros - o que é um avanço. Será importante verificar se ele terá autonomia ou a mão peluda do olavismo vai continuar sobre o Itamaraty.

O mais provável é que posições mais duras estejam no outro lado da Esplanada dos Ministérios, na pasta da Justiça e Segurança Pública. Ela pode ser usada para agradar o bolsonarismo-raiz, decepcionado com a perda do Itamaraty - se houver a perda, claro.

Bolsonaro, desde que assumiu, vem comendo instituições de monitoramento e controle. Receita Federal, Coaf, Procuradoria-Geral da República, Polícia Federal, Incra, Ibama, Funai, ICMBio... Agora, é mais um passo nesse sentido, com pessoas mais próximas a ele nas Forças Armadas. Que podem ser acionadas para tuítes não-republicanos ou demonstrações de força pouco democráticas nos aniversários do Golpe Militar de 1964.

As mudanças não representam a iminência de um autogolpe de Estado, ao contrário do que temem alguns. Claro que o bolsonarismo daria um golpe se pudesse. Mas não há ambiente para isso. Pelo menos, não ainda.

Hoje, o presidente está enfraquecido e nos holofotes como um dos vilões da pandemia devido às suas péssimas decisões. Ao mesmo tempo, seu clã está sob investigação em casos de corrupção que colocam em xeque sua idoneidade. Por isso, ele ataca e dispersa. Militares continuarão aonde estão, como sócios do governo, mas sem muita dedicação para defendê-lo.

Vale ponderar que golpes não vêm necessariamente com soldados armados nas ruas. Caso tenhamos uma intervenção, ela ocorreria através de policiais estaduais atendendo a um chamamento do presidente. Por uma derrota na eleição, por exemplo. O mais provável, contudo, é que um golpe venha com paulatino esgarçamento das instituições democráticas. A pergunta será: vamos conseguir perceber quando isso acontecer? Teremos liberdade para reclamar?

Em tempo: a secretária de Educação Básica do Ministério da Educação, Izabel Lima Pessoa, também se demitiu. De perfil técnico, ela era responsável pelas políticas do ensino fundamental, médio, educação de jovens e adultos. O bolsonarismo-raiz exige que essa secretaria seja entregue a ele, como tributo.