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Leonardo Sakamoto

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Armar professores não evitaria massacres como o de Saudades (SC)

Jovem invade creche e mata crianças, professora e funcionária em Saudades, no Oeste de SC -  JOCIMAR BORBA/ISHOOT/ESTADÃO CONTEÚDO
Jovem invade creche e mata crianças, professora e funcionária em Saudades, no Oeste de SC Imagem: JOCIMAR BORBA/ISHOOT/ESTADÃO CONTEÚDO

Colunista do UOL

04/05/2021 17h03Atualizada em 04/05/2021 21h47

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Logo após um jovem de 18 anos matar, a golpes de facão, três crianças, uma professora e uma funcionária em uma creche, em Saudades (SC), nesta terça (4), postagens circularam em redes sociais e aplicativos de mensagens afirmando que isso não teria acontecido se professores e funcionários estivessem armados.

Não é a primeira vez que casos de massacres em escolas são usados por quem milita pela flexibilização do Estatuto do Desarmamento. Isso também aconteceu, por exemplo, após o massacre de oito pessoas cometido por dois ex-alunos, em 2019, em uma escola em Suzano (SP). Ou no caso do rapaz que tinha raiva de garotas e assassinou 12 jovens, que tinham entre 12 e 14 anos, em uma escola em Realengo, na capital fluminense, em 2011.

O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) aproveitou para reforçar a defesa o porte de armas de fogo ao transmitir seu pesar pelo massacre. "Sempre devemos lembrar: a única maneira de parar um malfeitor armado é um homem de bem armado", afirmou no Twitter.

Mapa Saudades (SC) - Arte/UOL - Arte/UOL
Mapa Saudades (SC)
Imagem: Arte/UOL

A chacina de Saudades só não foi maior porque o assassino foi impedido pelas professoras, que perceberam o que estava acontecendo e trancaram as crianças nas salas, e por dois homens, que o desarmaram com barras de metal.

A defesa de mais armas dentro do espaço escolar é considerada como ineficaz e perigosa por Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

"Pensar que colocar uma arma dentro da escola seria um elemento de proteção para as crianças, é loucura. Isso não vai proteger alunos e professores em uma situação de ataque", afirmou à coluna. Ela defende que a proteção seja feita por policiais e agentes de segurança treinados, não por civis armados.

Segundo ela, na avaliação de policiais sérios, ponderados e esclarecidos armas são um ótimo instrumento de ataque, mas um péssimo para a defesa. Para ilustrar, afirma que 70% dos agentes de segurança morrem em horário de folga ao serem abordados em um roubo, mesmo armados.

O delegado que apura o caso de Santa Catarina, Jerônimo Marçal, afirmou que o assassino queria "fazer o maior número de vítimas possível", o que seria viável se ele tivesse acesso a armamento de repetição.

"Se o jovem tivesse acesso a um fuzil, teria matado todas as crianças, as professoras, os funcionários. É um pouco do que acontece recorrentemente em escolas nos Estados Unidos, onde ataques com armas pesadas são causados por pessoas com transtornos", afirma a diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Em determinados estados norte-americanos, que servem de referência para os defensores do livre acesso às armas no Brasil, jovens podem comprar fuzis em varejistas, sem dificuldade.

Os decretos presidenciais que flexibilizam o acesso a armas de fogo (tanto as de baixo calibre, quanto fuzis e espingardas) e munição têm sido um dos assuntos mais polêmicos da gestão de Jair Bolsonaro. No momento, eles estão sendo analisados no Supremo Tribunal Federal, em pedido de vistas do ministro Alexandre de Moraes. O Fórum teme que o crescimento na circulação de armas também leve ao aumento de seu comércio ilegal no país.

"Quanto mais armamentos você tiver e mais pesado eles forem, mais letal você vai ser. Quando há uma política de estado para ampliar armas e calibres em circulação, ela incentiva que conflitos sejam solucionados com essas armas de fogo", avalia.

As razões do crime precisam ser esclarecidas pela Polícia Civil, mas a hipótese mais provável, até agora, é a de um surto psicótico. Nesses casos, não adianta propor aumento de pena. Para muitos dos massacres cometidos em escolas, explicar aos autores que eles podiam ser presos ao cometerem tais atos simplesmente não teria feito diferença, lembrando que, não raro, tentam se matar ao final.

O acesso fácil a armas com alto poder de fogo aumentaria o alcance da tragédia, como dito acima. Mas como não havia armas, foi um facão. E se não fosse um facão, poderia ser gasolina. Ou também um carro ou um caminhão que avançasse sobre as crianças quando fossem para a rua ao término das aulas - como tem acontecido em várias partes do mundo.

Se não somos capazes de antever certos atos de insanidade, há coisas que conseguimos minimamente controlar. Trabalhar para que nossa sociedade não ignore as pessoas que passem por transtornos psíquicos e evitar que o Estatuto do Desarmamento seja alterado para espalhar armas ainda mais, por exemplo. Há muito o que discutir e fazer. Desde que não optemos por responder estupidez com mais estupidez.