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Leonardo Sakamoto

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Bolsonaro compensa governo impotente com tanque de guerra, diz psicanalista

Colunista do UOL

09/08/2021 12h02

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Um comboio de veículos blindados, com tanques de guerra e lança-mísseis, deve atravessar a Esplanada dos Ministérios e estacionar no Palácio do Planalto nesta terça (10). A entrega de um convite para o presidente assistir a um exercício das Forças Armadas é a justificativa para mais uma tentativa de Bolsonaro demonstrar força em meio à crise que atinge seu governo. Mas a informação, adiantada pela colunista do UOL, Thaís Oyama, aponta, na verdade, o contrário: a frágil masculinidade de Jair e sua impotência diante do cargo que ocupa.

"Isso remonta aos rituais de exibição de potência e força, típico dos regimes autoritários e totalitários que precisam mostrar uma exuberância do poder tangível. Precisam estar sempre ostentando uma arma, uma motocicleta, um tanque para provar a sua força."

A avaliação é de Christian Dunker, psicanalista, professor titular do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e um dos coordenadores do Laboratório de Teoria Social, Filosofia e Psicanálise da USP.

Para ele, é a tentativa de enraizar em uma pessoa a imagem de um poder maior do que ela realmente tem ou acha que tem.

"Quando o governante vê o seu poder e, logo, a sua virilidade ameaçada (porque faz essa circulação libidinal de uma coisa com outra), inventa um ritual de exibição pública, muitas vezes fora de hora. A 'bravata' pode ter efeitos reais, mas vai se mostrando ridícula porque todos percebem o que ela significa", analisa Dunker.

Exibições de tanques e mísseis gigantes, eretos, apontados para o alto, são comuns na ditadura da Coreia do Norte ou foram comuns nos piores momentos do extinto regime da União Soviética, liderados por ideologias que Jair diz combater.

Exibição de veículos de guerra tenta convencer que o governo é maior do que realmente é

A "bravata" vai ocorrer no dia em que o plenário da Câmara dos Deputados analisará a proposta de emenda constitucional que prevê a introdução da impressão do voto em 2022. A tendência é que o tema não alcance o apoio de 308 parlamentares, mínimo necessário para sua aprovação.

Bolsonaro tem ameaçado com a não realização das eleições caso a PEC não seja aprovada, atacando o Tribunal Superior Eleitoral e xingando repetidas vezes o presidente da corte, ministro Luís Roberto Barroso. O general Braga Netto, ministro da Defesa, chegou a ameaçar o Congresso Nacional pela aprovação do voto impresso - pressão que ajudou a enterrar de vez a ideia na comissão especial que analisava o tema.

A exibição de máquinas de guerra, segundo Christian Dunker, "é uma forma de esconder uma impotência, uma incapacidade, uma limitação de se organizar para garantir o mínimo básico que se espera de um governo". Neste caso específico, o mínimo seria evitar que o país chegasse ao patamar de 563 mil mortes por covid-19 e a 14,8 milhões de desempregados.

A questão também aponta um paradoxo. O presidente é uma pessoa que gosta de cultivar publicamente uma imagem muito viril, mas a ação de encher Brasília de armas de guerra desmente isso. Até porque quem detém poder de fato não precisa recorrer a esses artifícios para lembrar os outros disso.

Na vida cotidiana, isso é equivalente a alguém que, sentindo-se inferior ou frustrado, compra um carrão esportivo para projetar a potência que lhe falta.

Segundo o psicanalista, quando você está em um ambiente com pessoas que percebem o quão constrangedora é essa situação, tende a ser avisado de que isso vai dar na vista. O chamado #ficadica dos amigos. Mas no caso do presidente da República, provavelmente ele não conta com um entorno que entenda a complexidade disso e acredita que ninguém vai perceber.

Ou pior: o ambiente entende muito bem o que significa e as consequências disso, mas aposta que o teatro vai criar um impacto simbólico, não com os Poderes Legislativo e Judiciário (que não mudarão sua opinião sobre o voto impresso por causa disso), mas com o público mais fiel do bolsonarismo-raiz, extasiado com a exibição da potência (sic) de seu líder.