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Esquerda e Bolsonaro firmam-se como 'donos da rua' após protesto esvaziado
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O tamanho reduzido dos atos contra Jair Bolsonaro, deste domingo (12), convocados pelo MBL e o Vem Pra Rua, indica que a esquerda e o bolsonarismo continuam sendo os grupos com base social mais sólida e maior capacidade de mobilização para manifestações de rua. E isso influencia nas estratégias do presidente e contra ele, como a criação da chamada frente ampla.
Tomemos como exemplo a avenida Paulista, em São Paulo. Enquanto o ato golpista do Dia da Independência e os protestos de maio e junho da esquerda preencheram mais de dez quarteirões cada, os manifestantes deste domingo ocuparam quase três. A Secretaria de Segurança Pública fala em 6 mil, neste domingo, diante de 125 mil da terça (7). Mesmo o Grito dos Excluídos, organizado por movimentos de esquerda no mesmo dia, que foi pequeno devido ao receio de confusão violenta com bolsonaristas, contou com 15 mil pessoas, de acordo com a polícia.
Uma coisa são institutos confiáveis apontarem que o governo é rejeitado pela maioria da população e o presidente ser duramente criticado nas redes sociais toda vez que ameaça a democracia. Outra é convencer uma pessoa a se levantar do sofá para ir às ruas pedir impeachment. Pesquisas e tuítes podem não mudar a cabeça de deputados e leva à cassação de um mandato, mas megaprotestos sim.
A esquerda se fez presente com alguns de seus representantes políticos no carro de som do MBL, mas também engrossando o público, uma vez que este era o primeiro ato após a micareta golpista de Jair. Os organizadores, contudo, não tiveram sucesso em convencer movimentos, sindicatos e organizações sociais a virem em peso como desejavam. Caso tivessem, o ato poderia ser maior que aquele do Dia da Independência.
Esquerda aposta em megaprotesto contra Bolsonaro no dia 2 de outubro
Participaram do ato um leque amplo, alguns representando o partido e outros indo de forma independente, incluindo Ciro Gomes (PDT), Luiz Henrique Mandetta (DEM), Simone Tebet (MDB), Alessandro Molon (PSB-RJ), Alessandro Vieira (Cidadania), Tabata Amaral (sem partido), Kim Kataguiri (DEM), João Amoedo (Novo), Isa Penna (PSOL), Orlando Silva (PC do B), Joice Hasselmann (PSL), Arthur do Val (Patriota) e João Doria (PSDB), entre outros.
Na reta final de preparação, o MBL vendeu a imagem da manifestação como um ensaio de uma frente ampla contra Bolsonaro. Já o Vem Pra Rua manteve o mote "nem Bolsonaro, nem Lula" - o que pode até levar à construção de uma frente da Terceira Via, mas não de todo campo democrático.
Ao invés de convocar para o ato deste dia 12, a maioria dos movimentos, organizações e coletivos de esquerda preferiu apostar no dia 2 de outubro, um sábado. Afirmam que a oposição ao centro e à direita estão convidadas a participar.
Na decisão de não ter apostado no 12 de setembro, há críticas ao papel do MBL e do VPR na ascensão de Bolsonaro ao poder. E, claro, cálculos eleitorais.
Independente das razões, o fato é que o chamado dos movimentos à direita, além de não ter atraído a esquerda, também mostrou que uma parte da base social deles, fundamental no processo de impeachment de Dilma Rousseff, ficou com Bolsonaro no divórcio. Ou talvez fosse bolsonarista desde o início.
Protestos de esquerda contam com uma rede ampla de organizações
As manifestações antibolsonaristas de esquerda vêm sendo convocadas por uma rede de movimentos e coletivos negros, estudantis e LGBTQIA+, torcidas organizadas de futebol, centrais sindicais, partidos políticos, movimentos de renovação política e frentes populares, como a Frente Povo Sem Medo (que conta com o MTST) e a Frente Brasil Popular (que conta com o MST), entre outros.
O público é composto por integrantes desses grupos e por indivíduos que atendem a esses chamados. As manifestações de maio e junho contavam com uma grande quantidade de jovens estudantes de perfil progressista, que não estavam ligados necessariamente a movimentos e organizações.
Os 125 mil na avenida Paulista, no 7 de setembro, provavelmente fazem parte dos 15% da população que, segundo o Datafolha, compõem o bolsonarismo-raiz, acreditando em tudo o que o presidente diz. A maior parcela é de homens, brancos e com mais de 45 anos.
Bolsonaro contou com recursos da iniciativa privada e a estrutura de comunicação de governo - ele foi o principal garoto-propaganda do ato. A difusão dos convites foi feita continuamente pela militância, mas também por religiosos, militares, policiais, agropecuaristas, empresários e políticos bolsonaristas, bem como por estruturas como o Gabinete do Ódio, que opera no Palácio do Planalto.
Mobilização de ruas depende de base social e mensagem forte
Apesar dos atos terem mostrado que há uma divisão entre políticos da oposição devido à ausência de nomes e partidos, notadamente o PT, o mesmo não pode ser dito do público. Não há divisão, pois a grande maioria tem comparecido aos atos convocados pela esquerda.
Juntar integrantes de vários partidos, da direita à esquerda em um auditório, em um evento preparatório de uma frente ampla, é relativamente simples. Fazer com que todos convoquem um protesto unificado é mais complicado. E não só pelas divergências entre políticas e eleitorais. Enquanto partidos ao centro tentarão atrair partidos de esquerda para novos atos como este deste domingo, PT, PSOL, PC do B, entre outros, devem reivindicar protagonismo para a mesma coisa, pois mantém maior poder de mobilização.
Imagina-se que parte dos organizadores dos atos deste domingo (12) aceitaria subir no mesmo palanque que nomes do PT. A questão é o quanto o seu público aceitaria estar em um evento com o partido. Ou melhor, em que Lula seja o grande nome.
Do outro lado, com grandes atos de cor predominantemente vermelha (pois esses militantes serão maioria), Bolsonaro irá aproveitar para afirmar que todo mundo que protesta contra ele é comunista ou quer eleger Lula. Isso é incontornável, até porque pedir para militantes deixarem suas bandeiras em casa ou exigir que eles venham com uma outra cor não condiz com os preceitos democráticos que uma frente ampla se propõe.
Por fim, há uma massa insatisfeita com Bolsonaro que não se identifica com a esquerda, nem com a direita. Ela não parece com disposição de ir às ruas por enquanto. Grande parte pode estar tão dedicada a sobreviver frente ao desemprego, ao aumento da inflação e à covid-19 que não tem tempo para acompanhar o que acontece no país.
E, provavelmente, há um naco do lavajatismo que não saiu de casa por estar decepcionado com tudo o que aconteceu ou não encontrar um novo discurso ao qual se agarrar. Sem contar que existe quem tenha receio de ir a uma manifestação devido à pandemia. Ou seja, a rua é dinâmica e muita coisa ainda pode mudar.
O fato é que, até agora, os atos mais bem-sucedidos foram organizados por quem não apenas contava com bases sociais sólidas, mas também conseguiu transmitir uma mensagem com sentimento forte para mobilizar os simpatizantes a saírem do sofá no final de semana. Se o centro e a direita antibolsonarista vão conseguir fazer isso, é uma incógnita.