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'Cobaias' da Prevent Senior demonstram queda no valor da vida sob Bolsonaro
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As gravíssimas denúncias do caso Prevent Senior, divulgadas pela imprensa e discutidas na CPI da Covid, indicam que o presidente Jair Bolsonaro e empresários se beneficiaram de experimentos em cobaias humanas em busca de poder e dinheiro. Diante disso, parte de uma população anestesiada, seja pelo cansaço ou pela descrença, corre o risco de normalizar a repetição de um dos mais odiosos crimes contra a humanidade.
Ao que tudo indica, o plano de saúde lucrou empurrando as pílulas do "kit covid" aos seus clientes, o que pode ter abreviado a vida de muita gente por seu uso equivocado, testou remédios sem o consentimento das pessoas e maquiou a contagem de cadáveres a fim de garantir que o uso de cloroquina, ivermectina e azitromicina fossem considerados tratamentos promissores.
Enquanto isso, o presidente se aproveitou dos resultados positivos desses experimentos, cujo método entusiasmaria o doutor Josef Mengele, para convencer os brasileiros a voltarem ao trabalho. Basicamente, tranquilizou a todos garantindo que haveria medicamentos que bloquearia a doença. Com isso, sabotou o isolamento social preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e estendeu a duração da pandemia. Uma parceria mortal.
No final, o segredo do sucesso da Prevent Senior não foi a hidroxicloroquina, mas a borracha, que apagou a doença dos prontuários médicos e dos atestados de óbito. Como no registro das mortes do médico negacionista Anthony Wong e de Regina Hang, mãe do empresário negacionista Luciano Hang.
Entre médicos, jornalistas, políticos e juristas com quem conversei desde ontem, o termo para descrever essa história e o depoimento do diretor-executivo do plano de saúde, Pedro Benedito Batista Júnior, em tudo isso veio à tona, foi um que não é ouvido todos os dias, nem com tanta frequência: "enojado" e "enojada".
As evidências de uso de cobaias e de manipulação de documentos e a desfaçatez dos envolvidos torna a situação muito mais bizarra do que os já bizarros casos das denúncias de superfaturamento na compra de vacinas, via Precisa Medicamentos e Davati Medical Supply, que envolveram políticos, militares, policiais, religiosos e servidores públicos.
Em outro país, os responsáveis pela empresa e pelo experimento humano seriam impedidos de continuar cuidando da saúde de gente e de passar a um quilômetro de um posto de saúde. No Brasil, eles são defendidos por senadores da base governista, pelos fãs de Jair Bolsonaro e pelo próprio empresário que teve o atestado de óbito da mãe fraudado.
Tudo isso se encaixa como uma luva no projeto de Bolsonaro para a pandemia.
Como sua natureza beligerante o torna incapaz de articular a federação em prol de um objetivo comum, ele não preparou o país para a mais importante guerra de sua história. Abraçou o inimigo, defendendo que a melhor forma de para-lo é deixando que ele ganhe, infectando rapidamente a população para criar imunidade. Permitiu que muita gente ganhasse dinheiro com o enfrentamento equivocado da covid-19 e, portanto, com a morte.
O risco desse projeto torto voltado à reeleição de Bolsonaro, que vem se mostrando resiliente, é que o Brasil saia dessa crise mais à imagem e semelhança do presidente da República. Um país mais insensível à dignidade humana, com cada um lutando, como ele, por sua própria alegria e sobrevivência. Cada um por si e Deus acima de todos.