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Assessor de Bolsonaro culpa Moïse pela própria morte e satisfaz racistas
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De tanto usar seu cargo para minimizar o racismo e atacar os movimentos negros, o presidente da Fundação Palmares nem precisaria mais provar sua lealdade a Jair Bolsonaro. Mas ele consegue surpreender com declarações que excitam bolsonaristas radicais e revoltam o naco democrata da sociedade - o que, claro, satisfaz ainda mais o seu chefe.
Desta vez, Sérgio Camargo atacou o congolês Moïse Kabagambe, espancado, torturado e assassinado a pauladas em um quiosque de praia no Rio de Janeiro após cobrar remuneração que lhe era devida. Culpou a vítima por sua própria execução.
"Moïse andava e negociava com pessoas que não prestam. Em tese, foi um vagabundo morto por vagabundos mais fortes. A cor da pele nada teve a ver com o brutal assassinato. Foram determinantes o modo de vida indigno e o contexto de selvageria no qual vivia e transitava", escreveu.
Vagabundo, em verdade, é o roteirinho bem manjado, preguiçoso e violento que Camargo produziu para tirar uma casquinha do caso e se mostrar ao chefe. Pois, no fundo, esse discurso carregado de ódio e ressentimento, que alimenta a guerra cultural da extrema direita, funciona também para garantir a preservação do próprio emprego.
Assessores de Bolsonaro como ele ou o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, sabem que os cargos que ocupam hoje são a chance de suas vidas. E, por isso, fazem de tudo para mantê-los - o que é um comportamento, diga-se de passagem, bem comum a pequenas biografias.
Assumem, com isso, um papel útil para a narrativa de Bolsonaro: de que "pessoas acima de suspeita" concordam com o ponto de vista excludente e preconceituoso dele. Camargo, como um jornalista negro que minimiza o racismo. Queiroga, como um médico que passa-pano para o negacionismo na pandemia de covid-19.
Você pode perguntar: o presidente da Fundação Palmares, instituição criada para promover e proteger a cultura afro-brasileira, não tem o direito de ser ultraconservador? Sim, ele tem. O que não tem é o direito de cometer um crime de difamação ao imputar algo ofensivo à vítima.
Mas para entender a questão aqui é preciso analisar o timing. Camargo esperou até esta sexta (11), 18 dias após a execução de Moïse, para levantar a polêmica. Sua intervenção foi milimetricamente pensada para excitar eleitores e chocar quem se preocupa com a dignidade humana. Gerar mídia, portanto, seguindo a cartilha do governo de Jair Bolsonaro.
Para os que acreditam que racismo contra negros não existe e o que há é (a ficção tosca) "racismo reverso contra brancos", a declaração de Sérgio Camargo é um oásis que reforça que o preconceito deles tem embasamento.
Não se enganem, são milhões os que pensam assim. E, se por um lado, é um alívio ver as manifestações de repúdio que surgem no rastro da bizarra declaração de hoje, por outro é preocupante saber que há muitos que se sentem representados com ela.
E não dizem nada, em um orgasmo silencioso que romperá em forma de votos em outubro. O assessor conseguiu, mais uma vez, deixar Jair feliz. Bom para a carreira dele, péssimo para a dignidade humana.