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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

TSE afasta tentativa de Bolsonaro de culpar Justiça pelo preço da gasolina

RODOLFO BUHRER/REUTERS e Reprodução/YouTube
Imagem: RODOLFO BUHRER/REUTERS e Reprodução/YouTube

Colunista do UOL

22/03/2022 20h53

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O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fugiu de uma armadilha armada por Jair Bolsonaro ao decidir, nesta terça (22), não analisar uma consulta enviada pela Advocacia-Geral da União. O governo queria que a corte respondesse se a redução de impostos sobre produtos e insumos em ano eleitoral seria crime eleitoral. E, dessa forma, receber algo para se defender sobre a alta dos combustíveis, que afeta a intenção de voto do presidente.

O relator do caso, ministro Carlos Horbach, considerou que a consulta estava tão abstrata e vaga que poderia ser usada para qualquer coisa. Um "cheque em branco", um "salvo conduto absolutamente genérico", como ponderaram outros ministros. Ao mesmo tempo, tratava claramente de um caso concreto, o dos combustíveis, podendo "antecipar eventual julgamento sobre fatos existentes no cenário atual".

Em decisão unânime, os ministros rejeitaram a consulta.

Se tivessem se pronunciado sobre o assunto, Bolsonaro poderia usar a decisão ou para dizer que a culpa da gasolina pela hora da morte seria do TSE, que não o deixou reduzir o preço, ou que os magistrados deram a ele liberdade para que adotasse ações de caráter eleitoreiro.

De acordo com um dos fundadores da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), o advogado especialista em direito eleitoral, Fernando Neisser, não faz sentido o governo "terceirizar" essa decisão ao TSE.

"A competência para responder consultas não serve para questões concretas, mas só para dúvidas em tese. A decisão deve ser política e, se tomada, pode ser levada ao Judiciário para analisar seu aspecto jurídico. A Justiça Eleitoral não é biombo contra a impopularidade", afirma Neisser, que também é doutor em Direito Penal pela Universidade de São Paulo.

Bolsonaro usou tática semelhante para culpar o Supremo Tribunal Federal por sua inação durante a pandemia.

Em abril de 2020, o STF reconheceu a competência concorrente de estados, Distrito Federal, municípios e União no combate à covid-19. Traduzindo: todos podem e devem participar da elaboração e da execução da política contra a pandemia.

Desde então, Bolsonaro, que desejava do STF a autorização para impedir quarentenas e lockdowns, vem espalhando a cascata de que a corte decidiu que o combate ao coronavírus cabe apenas a governadores e prefeitos. E a ele teria restado apenas o repasse de recursos para as ações. Uma mentira que matou muita gente.

Falando para os seus fãs em frente ao Palácio do Alvorada, o presidente reforçou esse entendimento várias vezes. Como no dia 11 de junho do ano passado: "Eu não apito nada, né? Segundo o Supremo, quem manda são eles. Mas nada como você estar em paz com a sua consciência".

Agora, trocando covid-19 por combustíveis, desejava o tal cheque em branco. Ou alguém para levar a culpa.