Topo

Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

E se Viagra, ônibus rural e kit de robótica virassem caixa 2 nas eleições?

Adriano Machado/Reuters
Imagem: Adriano Machado/Reuters

Colunista do UOL

11/04/2022 20h12

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

A compra de milhares de comprimidos de Viagra pelas Forças Armadas choca menos pela possível hipertensão pulmonar ou disfunção erétil dos membros das Forças Armadas e mais pelos indícios de sobrepreço. Os deputados federais Elias Vaz (PSB-GO) e Marcelo Freixo (PSB-RJ) denunciam valores até 143% acima do preço de mercado.

Este ano eleitoral tem sido marcado por um rosário de denúncias de que o governo está tentando pagar mais do que os produtos efetivamente valem.

O Tribunal de Contas da União (TCU) viu indícios de sobrepreço na licitação de quatro mil ônibus rurais escolares pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, o que poderia fazer com que os veículos custassem até R$ 732 milhões a mais. Suspendeu o certame após denúncia trazida pelo jornal O Estado de S.Paulo mostrar que pessoas ligadas a Ciro Nogueira (PP) e Valdemar da Costa Neto (PL), líderes do centrão e sócios de Bolsonaro, deram aval para a licitação bichada.

O procurador Lucas Rocha Furtado, que pediu para parar o pregão, afirmou que ele podia se converter em um "prejuízo à democracia, a depender da destinação que esses recursos venham a ter, como, por exemplo, a composição do chamado 'caixa 2 de campanha'".

O mesmo cheirinho de caixa 2 exala da destinação de R$ 26 milhões de recursos dos MEC para a compra de kits de robótica a pequenas cidades do interior das Alagoas do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP). A apuração da Folha de S.Paulo mostrou que muitas das escolas destinatárias não têm salas de aula, internet e água encanada.

Cada kit foi comprado pelas prefeituras por R$ 14 mil, valor acima dos valores de mercado cobrado por produtos de ponta - que não chegam a R$ 10 mil cada.

Sobrepreço, apesar de ter se tornado a palavra do momento, não é novidade para o governo e é velha tática eleitoral do centrão, que age como parasita do empreendimento bolsonarista de desconstrução nacional estando, portanto, empenhado na sobrevivência do hospedeiro.

Durante a pandemia de covid-19, a Pfizer procurou insistentemente o governo Bolsonaro que, por sua vez, procurava uma vacina imaginária oferecida pela Davati Medical Supply, que prometia intermediar 400 milhões de doses da AstraZeneca. Detalhe: ela não tinha o imunizante.

Entre desejos não realizados e pedidos de propina, quem ficou na mão foi o povo brasileiro, que morreu aos milhares no vácuo de compra de vacina.

Daí a CPI da Covid desenrolou uma teia de interesses de pedidos de propina e sobrepreço de produtos, com o envolvimento de coronéis das Forças Armadas, reverendos, servidores públicos, policiais militares e, claro, mais gente indicada pelo centrão.

Essa dinheirama paga a mais por produtos pode virar cascalho no bolso de empresário malandro mancomunado com político safado ou caixa 2 para irrigar eleições.

A diferença dos escândalos do passado é que havia uma certa preocupação de inventar desculpas esfarrapadas quando os envolvidos eram descobertos. Hoje, não. Como já disse aqui, o presidente da República ensinou que é só adotar a "tática do doido".

Todos vocês a conhecem porque vimos isso na infância. Após uma criança espatifar um vaso no chão, ela jura que não foi ela, independente de ter sido um descarado flagrante. Ou terceiriza a culpa para o gato, o cachorro, o amiguinho. Ou pior ainda: atesta que ali não jaz um vaso quebrado.

O presidente a usa com frequência na esperança de que uma mentira contada várias vezes seja absorvida como verdade. A profusão de prefeitos que denunciaram pastores cobrando pedágio em ouro ou em compra de bíblias para que verbas públicas fossem liberadas no Ministério da Educação torna impossível ele dizer que não há corrupção na pasta. Mas Jair continua repetindo isso, usando tal tática.

O tapa-sexo da República caiu e estamos diante de um governo sem pudores de estar nu. Pior: com o moral levantado por histórias picantes de sobrepreço envolvendo Viagra ou kits de robótica, que excitam os seus candidatos.