Topo

Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Chororô de Bolsonaro é recibo da saudade de disparos em massa pelo WhatsApp

Colunista do UOL

15/04/2022 14h22

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Jair Bolsonaro, que se beneficiou de disparos em massa através de aplicativos de mensagens nas eleições de 2018, não esconde o ódio que sente do Tribunal Superior Eleitoral, que vem agindo para evitar que essas plataformas sejam usadas novamente para propagar mentiras durante a campanha deste ano. O presidente, que vinha preocupado com a imposição de regras ao Telegram, agora abriu o berreiro por conta do WhatsApp.

O app vai inaugurar, em todo o mundo, uma ferramenta de comunidade permitindo o envio de conteúdos a grupos com milhares de pessoas de uma só vez. Mas, no Brasil, por conta de um acordo com o Tribunal Superior Eleitoral para combater a desinformação nas eleições, ela só entrará em funcionamento após o segundo turno.

Foi o suficiente para Jair deixar rolar o chororô e as ameaças. E reforçar junto a seus seguidores a Justiça Eleitoral como a grande inimiga do Brasil.

"Isso que o WhatsApp está fazendo no mundo todo... Sem problema. Agora, abrir uma excepcionalidade para o Brasil? Isso é inadmissível, inaceitável e não vai ser cumprido esse acordo que por ventura eles tenham feito com o Brasil, com informações que eu tenho até o presente momento", disse, nesta sexta (15), durante um comício motorizado que passou por cidades de São Paulo.

Com a raiva ainda fermentando na cabeça, voltou a passar recibo horas depois em discurso aos fãs: "Censura, discriminação, isso não existe. Ninguém tira o direito de vocês nem por lei quem dirá por um acordo. Esse acordo não tem validade". Tem sim e não se vislumbra o que ele pode vir a fazer, uma vez que a iniciativa é da própria empresa com o TSE. Jogar pão com leite condensado em Mark Zuckerberg?

A campanha de Bolsonaro e seus aliados e apoiadores dispararam material que ganhou tração nas eleições de 2018 devido a uma característica do WhatsApp na época: o anonimato (de quem produz uma mensagem mentirosa) e a possibilidade de viralização (de um conteúdo). Dessa forma, histórias fantasiosas foram distribuídas em um piscar de olhos, como a, hoje, icônica "mamadeira de piroca do PT".

Devido às críticas que recebeu pelo impacto negativo que estava causando nas eleições do Brasil e da Índia, a plataforma adotou sugestões, inclusive vindo de pesquisadores e especialistas brasileiros, limitando em cinco o número de pessoas e grupos para os quais uma mensagem pode ser compartilhada. Posteriormente, a plataforma adotou o limite de apenas um compartihamento para mensagens encaminhadas com frequência.

Isso não resolveu o problema, mas dificultou a manipulação do debate público através da plataforma. Agora, a empresa dá um passo atrás, resguardando a eleição brasileira.

Diante das travas colocadas no WhatsApp, Bolsonaro decidiu usar o Telegram a fim de garantir o fornecimento de munição a seu exército de seguidores para que combatam uma guerra em seu nome em 2022. Esses bolsonaristas, por sua vez, postam o conteúdo recebido pelo Telegram em seus grupos no WhatsApp de amigos, de familiares e de colegas de trabalho.

Essa estrutura da mentira, que distribui conteúdo via Telegram e ramifica via WhatsApp, conta com o fato que, apesar da esquerda bater bumbo de que o apoio a Bolsonaro nas redes é realizado majoritariamente por robôs, ele possui uma grande quantidade de seguidores engajados em espalhar o que ele quiser. De acordo com pesquisa Datafolha, 17% dos brasileiros acreditam em tudo o que o presidente diz e são potenciais difusores de desinformação.

O presidente estava se sentindo confortável uma vez que o Telegram, que não tinha representação no Brasil e era mais refratário a regras sobre manipulação do debate público, ignorava os pedidos de diálogo com o Tribunal Superior Eleitoral. Mas aí veio Xandão.

Sob a justificativa de que o Telegram desprezava e ignorava a Justiça brasileira, o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes atendeu no dia 17 de março a um pedido da Polícia Federal e ordenou a suspensão do aplicativo no país, aplicando multa à plataforma de R$ 500 mil/dia. Ele usou o descumprimento de decisões judiciais que determinavam o bloqueio de contas do blogueiro Allan dos Santos.

A empresa acabou cedendo, suspendeu as contas apontadas pelo STF, definiu um representante no Brasil para atender às demandas da Justiça e abriu diálogo com o TSE, tal como a Meta (Facebook, Instagram e WhatsApp), o Google (YouTube), o Twitter e o Tik Tok já haviam feito.

Isso acendeu uma luz vermelha no Gabinete do Ódio, estrutura montada dentro do Palácio do Planalto para atacar opositores ao governo e jornalistas nas redes sociais. E produziu um suadouro no presidente, que já estava preocupado com a possibilidade de ver suas armas de difusão de desinformação afetadas por decisões da Justiça. Porque Alexandre de Moraes mostrou que mesmo a fortaleza do Telegram desceu do pedestal diante da pressão judicial.

Em conversa com fãs na porta do Palácio do Alvorada, no final de janeiro, Bolsonaro havia dito que a tentativa de enquadrar o Telegram nas leis brasileiras "é uma covardia". Agora, nesta sexta, demonstrou irritação com o acordo entre WhatsApp e TSE, usando o discurso da liberdade de expressão para defender a sua liberdade de atropelar as regras do debate público.

Mesmo com as restrições impostas, ele conseguirá fazer um belo estrago. O seu chororô com WhatsApp, contudo, mostra que ele sentiu.