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Três jovens Guarani-Kaiowá são resgatados da escravidão no Dia do Índio
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Três indígenas Guarani-Kaiowá de 23, 20 e 14 anos foram resgatados de condições análogas às de escravo em uma área de produção de eucalipto em Ponta Porã (MS), nesta terça (19), Dia do Índio*. Contando com pouca comida, eles caçavam passarinhos para matar a fome quando foram encontrados.
O grupo especial de fiscalização móvel, responsável pela ação, contou com a participação da Inspeção do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho e da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul. Eles estão identificando quem são responsáveis pela área para garantir o pagamento dos direitos trabalhistas devidos.
De acordo com o auditor fiscal do trabalho Antônio Maria Parron, que coordenou a operação, os trabalhadores estavam submetidos a condições degradantes, um dos elementos caracterizadores da escravidão contemporânea, segundo o artigo 149 do Código Penal.
Os três estavam alojados em um barraco de lona, usando espumas e colchões velhos para dormir sobre o chão de terra. Usavam um brejo para tomar banho e uma cacimba para retirar água a fim de cozinhar e beber.
A comida era descontada do pagamento, o que é ilegal. No momento da fiscalização, havia pouca comida à disposição, então os jovens se alimentavam com passarinhos que eles mesmos caçaram.
Os jovens trabalhavam carregando lenha de eucalipto. Ganhavam, em tese, R$ 300 por caminhão preenchido, mas após os descontos com alimentação e transporte, sobrava pouco para levar para casa. Segundo Parron, eles pertencem à Aldeia Campestre em Santo Antônio João (MS), a cerca de 60 quilômetros de distância.
A Inspeção do Trabalho informou que um deles, entre idas e vindas, estava há um ano no serviço e os outros dois começaram em abril. O cálculo sobre o montante devido aos três ainda está sendo realizado e uma audiência ocorrerá no Ministério Público do Trabalho em Dourados (MS).
(*) A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que muda o nome do "Dia do Índio" para "Dia dos Povos Indígenas", proposta da única parlamentar indígena, a deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR).
Resgates de indígenas em Mato Grosso do Sul
Resgates de trabalhadores indígenas em Mato Grosso do Sul têm sido frequentes na pecuária ou no cultivo de cana. Por exemplo, nove indígenas da etnia Kaiowá, dos quais dois adolescentes de 14 e 15 anos, foram resgatados de condições análogas às de escravo em uma fazenda de pecuária bovina em Porto Murtinho (MS) no início de 2021.
Eles estavam alojados em barracos de lona precários, não contavam com instalações sanitárias e faziam suas necessidades fisiológicas no mato, usando a água do córrego para cozinhar, lavar as roupas, tomar banho e matar a sede. Atuando na construção de cercas e na limpeza do pasto, aplicavam agrotóxicos sem equipamento de proteção individual, contaminando-se.
Em outra operação, em fevereiro deste ano, sete trabalhadores indígenas Guarani-Kaiowá foram resgatados em Porto Murtinho (MS), entre eles um adolescente de 15 anos. Eles atuavam na construção de cercas e na aplicação de agrotóxicos e foram aliciados em Amambai (MS).
Os trabalhadores usavam água parada de pequenas lagoas formadas com a seca de um rio para beber e cozinhar. E, como os três jovens de Ponta Porã, também caçavam para se alimentar.
O trabalho escravo no Brasil hoje
A Lei Áurea aboliu a escravidão formal, o que significou que o Estado brasileiro não mais reconhece que alguém seja dono de outra pessoa. Persistiram, contudo, situações que transformam pessoas em instrumentos descartáveis de trabalho, negando a elas sua liberdade e dignidade. Desde a década de 1940, o Código Penal Brasileiro prevê a punição a esse crime. A essas formas dá-se o nome de trabalho escravo contemporâneo, escravidão contemporânea, condições análogas às de escravo.
De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea por aqui: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de ir e vir), servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas), condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida) ou jornada exaustiva (levar ao trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida).
Os grupos especiais de fiscalização móvel para o combate à escravidão existem desde 1995 e são integrados por auditores fiscais do Ministério do Trabalho, procuradores do Ministério Público do Trabalho e do Ministério Público Federal, agentes da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, Polícia Civil ou Militar e por membros da Defensoria Pública da União.
Desde então, quase 58 mil pessoas foram resgatadas.
Trabalhadores têm sido encontrados em fazendas de gado, soja, algodão, café, frutas, erva-mate, batatas, sisal, na derrubada de mata nativa ou cultivada, na produção de carvão para a siderurgia, na extração de caulim e de minérios, na construção civil, em oficinas de costura, em bordéis.