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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro usa título de eleitor para defender redução de maioridade penal

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

04/05/2022 08h37

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Jair Bolsonaro aproveitou um tuíte de Anitta, que vêm convocando jovens de 16 e 17 anos a tirarem seu título de eleitor a fim de exercerem sua cidadania nas eleições de outubro, para defender a redução da maioridade penal. Como ela o bloqueou nas redes, o presidente usou um print para comentar uma postagem da cantora.

"Que bom que concordam comigo sobre incluir os jovens nas decisões dos rumos do país. Certamente também concordam que aqueles que escolhem o caminho do mal, do homicídio, do estupro, também são maduros para responder pelos seus atos. Grandes poderes, grandes responsabilidades", publicou o presidente ou alguém em nome dele, na madrugada desta quarta (4).

O uso do discurso "se você tem idade para votar, também tem para ser preso" é um falso paralelismo que faz muito sucesso entre os bolsonaristas. Neste caso, ajuda também a afastar o debate do seu tema principal: hoje é a data limite para tirar o título através do site do Tribunal Superior Eleitoral, razão da campanha para mobilizar jovens de 16 e 17 anos ter se intensificado.

É representativo que Bolsonaro use um debate sobre a garantia da cidadania para defender a sua pauta de redução da maioridade penal. Afinal, a exclusão dos mais jovens das decisões sobre as políticas públicas que devem ser adotadas pelo Estado brasileiro para proteger a infância e a juventude ajudaram a empurrar parte deles para a criminalidade. É típico de um estado que não previne, apenas pune.

Dado o desinteresse pela política ou o receio de debates violentos e ultrapolarizados, milhões entre 16 e 17 anos, faixa em que o voto é facultativo, não tiraram seu título ainda. Para mudar esse cenário, uma campanha envolvendo artistas com forte presença nas redes sociais envolveu até nomes de fora, como Leonardo DiCaprio e Mark Ruffalo.

Bolsonaro resolveu pegar carona na fama desses artistas, tentando polemizar com Anitta e DiCaprio, por mais que eles o ignorem. Tenta reforçar sua imagem junto aos seus seguidores e gerar mídia.

Caso respeitasse a democracia, o presidente estaria se juntando à campanha para que mais jovens participassem da escolha de seus representantes. Apesar de esse grupo ser o que mais o avalia mal, o número de seus apoiadores nessa faixa etária não é desprezível. Mas, ao que tudo indica, ele não quer correr riscos.

A avaliação do governo Bolsonaro é mais baixa na faixa de 16 a 24 anos. De acordo com o último levantamento do Datafolha, 51% desse grupo consideram a sua gestão ruim ou péssima, diante de 46% da média total, e 14% avaliam como ótima e boa, frente a 25% de todas as idades juntas.

Presidente preferiu falar de punição do que de futuro para os jovens

Há muitos jovens que evitam participar ativamente da política com medo de serem "cancelados" em meio à ultrapolarização maluca em que vivemos. Enquanto isso, alguém vai tomando decisões em nome deles.

O ambiente para o debate público nas redes sociais e aplicativos de mensagens não tem sido o mais saudável na última década. O medo de expressar uma opinião que pode não ser a mesma da bolha em que cada um está, e receber reações agressivas como resposta, é paralisante.

Há grupos de amigos que tratam política e futebol como uma questão de gosto inquestionável, atacando de forma violenta qualquer um que pense diferente até "vencer" a discussão. Agem como pequenos ditadores, esperando apenas o momento de ficarem mais velhos para oprimir um grupo maior.

Diante desse cenário, refugiar-se nas dancinhas do TikTok e nos vídeos engraçados dos reels do Instagram é, certamente, mais seguro e divertido. Mas o buraco deixado pelos jovens na tomada de decisão sobre sua própria vida é preenchido por aqueles que dizem saber o que é melhor para eles.

Exemplos disso não faltam. Nos últimos anos, propostas que reduzem proteções à saúde e segurança dos trabalhadores abaixo de 18 anos têm sido defendidas no Congresso Nacional e no governo federal sob a justificativa de que "direitos demais" dificultam a criação de postos de trabalho.

Isso é algo que os mais jovens deveriam ajudar a responder: vocês são a favor de que sua geração tenha menos direitos sob a justificativa de gerar empregos ou acreditam que outras saídas devem ser encontradas para isso a fim de garantir um patamar de qualidade de vida? E essa resposta se dá através do voto, elegendo quem defende projetos alinhados com o que você pensa.

Jovens pobres, principalmente negros, moradores das periferias urbanas e rurais, são as principais vítimas de violência. Mortos por balas perdidas ou achadas, torturados por policiais, traficantes e seguranças de estabelecimentos comerciais, vítimas de racismo e preconceito em espaços públicos, alijados de uma vida melhor diante de escolas onde falta não apenas internet, mas também água encanada e papel higiênico.

O presidente poderia ter usado o Twitter para falar do que vem fazendo para mudar essa realidade e garantir que os mais jovens tenham uma vida melhor, o que não pode se resumir à redução de imposto para comprar games. Preferiu falar da punição para aqueles que caem na criminalidade.

Em dezembro de 2020, a Secretaria Nacional de Juventude do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, chefiado então por Damares Alves, manifestou-se favoravelmente à aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/2019, que prevê a redução da maioridade penal.

Encabeçada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que reduz a maioridade penal de 18 para 14 anos em caso de tráfico de drogas, associação criminosa, organização criminosa, tortura, terrorismo e crimes hediondos, e 16 anos para os demais crimes. O debate deve ser usado nas eleições, mas dificilmente avançará no Congresso nesta legislatura.

O assunto faz sucesso na população porque é uma saída simples para um problema complexo. Contudo, isso não muda a realidade que levou alguém a cometer um crime. Jovens estão entre os que mais entendem isso porque vivem esse cotidiano.

Pena que muitos não votem para poderem dizer isso.