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Em discurso golpista, Bolsonaro avisa que não respeitará decisões do STF
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Jair Bolsonaro indicou que não respeitará decisões do Supremo Tribunal Federal durante discurso inflamado no Palácio do Planalto na tarde desta terça (7). A declaração ocorreu logo após a 2ª Turma do STF derrubar a decisão do ministro Kassio Nunes Marques, que havia salvo Fernando Francischini (União Brasil-PR) da cassação por divulgar fake news sobre o sistema eleitoral.
Votaram a favor do deputado estadual, além do bolsonarista Nunes Marques o outro indicado do presidente, o ministro André Mendonça.
Ao tratar da questão do marco temporal (a tese de que indígenas só podem reivindicar terras que já eram ocupadas ou disputadas por eles no dia da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988, ignorando os que estavam expulsos de suas áreas), Bolsonaro afirmou:
"O que eu faço se aprovar o marco temporal? Eu tenho duas opções: entrego a chave pro ministro do Supremo ou digo: não vou cumprir." O presidente costuma dar declarações muito semelhantes sobre esse tema para excitar setores do agronegócio a fim de garantir votos ou doações de campanha, como ocorreu em 28 de agosto de 2021 e em 25 de abril deste ano. Mas sempre deixa em aberto o que pode vir a fazer.
Desta vez, ele foi além e continuou, para delírio da plateia que o acompanhava: "Eu fui do tempo que decisão do Supremo não se discute, se cumpre. Eu fui desse tempo, não sou mais!"
O descumprimento de decisões judiciais do Supremo Tribunal Federal é um passo para a instalação de um regime autoritário.
Como já disse aqui antes, quando se fala em golpe de Estado, a imagem histórica remete a uma fila de tanques descendo de Minas Gerais até o Rio de Janeiro e a imagem moderna aponta para um cabo e um soldado batendo na porta do STF. Mas o uso de tropas é desnecessário. Para um golpe, basta que o Poder Executivo passe a governar no arrepio da Constituição, ignorando ordens judiciais e leis.
Por exemplo, fazendo de conta que a decisão sobre o marco temporal nunca existiu. O STF, por via das dúvidas, vem empurrando o julgamento com a barriga, em sucessivos adiamentos - o que causa danos aos direitos das populações tradicionais. Bolsonaro, que prometeu não demarcar "um centímetro quadrado" de território em seu governo, sempre teve uma relação agressiva com os povos indígenas quando parlamentar.
Discurso de Bolsonaro distribuiu ameaças. Como uma cortina de fumaça
Bolsonaro estava especialmente atacado nesta terça, como normalmente fica quando precisa passar uma mensagem de que o "capitão está on" para os seus seguidores mais radicais. Por exemplo, para jogar uma cortina de fumaça sobre uma derrota.
Repetiu que ele havia feito a mesma denúncia que Francischini, acusando as urnas eletrônicas de completarem com um "3" logo depois dos eleitores digitarem o "1", mas, claro, sem apresentar provas.
Disse que se for para punir mentiras, que a imprensa brasileira deve ser fechada por ser uma "fábrica de fake news". Isso no Dia Nacional da Liberdade de Imprensa.
Afirmou que o TSE ignorou as críticas das Forças Armadas ao sistema eletrônico de votação (o que é mentira), reforçando que ele é o chefe das Forças Armadas. E avisou, diante disso, que elas não fariam o papel de idiotas e que ele tem a obrigação de agir. Questionou os resultados das pesquisas e ameaçou não reconhecer a eleição.
Também criticou o direito ao aborto, entre outros assuntos do combo "choque alucínio", que costuma trazer para esses eventos quando precisa distrair a plateia. Cravou que o Brasil estava bem no pós-pandemia, ignorando a inflação e a fome.
O presidente não se importa com Francischini da mesma forma que não se importa com Daniel Silveira, mas usou ambos os casos para montar uma farsa a fim de erodir a legitimidade do STF e do TSE, raras instituições que não se dobraram totalmente às suas necessidades.
A situação vai só piorar daqui até as eleições, com Bolsonaro tentando garantir que os tribunais sejam vistos como suspeitos de julgar seus atos como governante. O que também cria uma justificativa para o não reconhecimento das eleições, em caso de derrota.
O que não significa que o golpe institucional não pode preceder um golpe eleitoral. Pelas declarações de desobediência dele hoje podem sim, o que jogariam o Brasil no escuro antes mesmo dos votos serem inseridos nas urnas.