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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Áudios mostram Bolsonaro usando a PF para minar a PF que combate corrupção

Milton Ribeiro, ex-ministro da Educação, e Bolsonaro juntos - Divulgação/Agência Brasil
Milton Ribeiro, ex-ministro da Educação, e Bolsonaro juntos Imagem: Divulgação/Agência Brasil

Colunista do UOL

25/06/2022 11h36

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Gravações de Milton Ribeiro indicam que o presidente Jair Bolsonaro usou informação privilegiada da Polícia Federal para avisar seu ex-ministro de que a instituição faria uma operação contra ele - o que poderia ter dado tempo para que provas fossem destruídas. E o próprio Bolsonaro, preservado.

Se não acha isso preocupante, troque PF por Polícia Civil e o ministro por um suspeito de chefiar o crime organizado em uma comunidade. Imagine um governante avisando o investigado para que ele tenha tempo de se proteger.

A diferença, neste caso, é que a suposta organização criminosa envolvendo Ribeiro, pastores evangélicos que cobravam propina em ouro e nomes do centrão tinham acesso a bilhões de reais de recursos do Ministério da Educação. Ou seja, uma operação bem maior.

Bolsonaro se dedicou ao longo do mandato para vender a falsa imagem de que seu governo está livre de corrupção. Nos últimos meses, a enxurrada de reportagens com denúncias de sobrepreço milionário na compra de ônibus escolares rurais e de kits de robótica e de escolas construídas pela metade apenas para eleger seus aliados tornou o trabalho mais hercúleo.

A isso soma-se os pedidos de propina para a compra de vacinas contra a covid-19 em negociações envolvendo o Ministério da Saúde e as compras mal explicadas de Viagra e próteses penianas para levantar o moral do Ministério da Defesa.

Há uma parcela de 17% da população que acredita em absolutamente tudo o que Jair diz, segundo o último Datafolha. Esses fanáticos creem que há um complô contra seu "mito" e que Fabrício Queiroz, seu amigo e operador de desvios de recursos públicos, é um trabalhador injustiçado. Esse grupo até põe fé quando Bolsonaro diz que zela pela transparência, mesmo que, logo depois, ameace meter a porrada na boca de um jornalista que perguntou a razão de Queiroz ter depositado R$ 89 mil na conta da primeira-dama, Michelle.

Esse pessoal não vai mudar sua posição com as denúncias de interferência de Jair na cúpula da instituição para proteger aliados.

Tampouco a parcela dos bolsonaristas que sabe que Messias é mito, mas não é santo, mas não se importa com isso. Para eles, não há problema algum se o bolsonarismo usar a PF porque acham que, no seu lugar, o PT faria a mesma coisa. E vale tudo para ajudar a livrar o Brasil do fantasma (inexistente) do comunismo, inclusive fechar o olho para quem proteger a corrupção.

Agora, há também um eleitorado em disputa, que não está sofrendo tanto com a crise como os mais pobres, e está de olho em outras características dos candidatos - para além de sua capacidade de gerir a economia.

Esse grupo pode ser especialmente atingido caso as investigações continuem mostrando que o presidente sequestrou uma parte da Polícia Federal para proteger a si mesmo, seus familiares e aliados próximos, jogando-a sobre a outra parte, independente, que insiste em cumprir o seu papel constitucional de investigar danos aos cofres públicos.

Não à toa, a campanha do presidente ficou irritadíssima com a divulgação da pesquisa XP/Ipespe, no dia 3 de junho, que apontou que Lula (35%) ficou numericamente à frente de Bolsonaro (30%) quando os entrevistados foram questionados sobre qual candidato tem mais a característica de "honestidade". Os ataques bolsonaristas à pesquisa fizeram com que ela deixasse de ser semanal.

Essa é uma das boias em que ele se agarra agora, uma vez que o país ostenta 33 milhões de famélicos e uma inflação de 12,04% ao ano, que reduz a quantidade de comida no carrinho de supermercado e aumenta a pilha de boletos em aberto da maioria da população.

Segundo o Datafolha, divulgado nesta quinta (23), Lula venceria hoje no primeiro turno, sendo empurrado por quem ganha até dois salários mínimos (grupo em que o petista ganha do presidente por 56% a 22% e representa 52% do país). Por conta disso, Bolsonaro tem corrido para aprovar um pacote de medidas desesperadas. Entre elas, subir o Bolsa Família, ops, Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600.

Como o impacto disso é incerto, ele precisa garantir que a parte do eleitorado que coloca a corrupção como preocupação acima da economia, não o rejeite na hora de escolher entre ele e Lula. Principalmente o eleitor que, hoje, não está com ele, mas pode vir a estar.

O que casos como os que inundaram o noticiário nestes dias, apontando que o presidente baixou uma "mão peluda" sobre a Polícia Federal, fazendo com que a cúpula minasse o trabalho de seus delegados e agentes, que tentam descobrir como funcionava um esquema de corrupção dentro do Ministério da Educação, não ajuda em nada.

Pois só comprova o Bolsonaro que deixou claro que não tem problema em interferir em órgãos de segurança pública, como na famosa reunião ministerial de 22 de abril de 2020. "Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira", disse.

A situação pode não tirar tantos votos do presidente por conta do comportamento de seus eleitores, mas não fará com que ganhe nenhum - o que, a menos de 100 dias das eleições, é péssimo para Jair. Ainda mais se o Senado demonstrar que honra sua história e instalar a CPI do MEC.