Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
'Vamos fuzilar a petralhada', disse Bolsonaro em 2018. No PR, obedeceram
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Começaram as mortes da eleição presidencial de 2022, como anunciado. O guarda municipal Marcelo Arruda foi assassinado, na noite deste sábado (9), em sua festa de aniversário em Foz do Iguaçu (PR). O bolsonarista Jorge Guaranho invadiu a comemoração, que contava com as cores do PT e imagens de Lula. De acordo com o boletim de ocorrência, ele atirou em Arruda, que reagiu e feriu o agente penitenciário.
Inicialmente, a Polícia Civil informou que o atirador havia sido morto, mas corrigiu a informação. Ele está internado em estado grave.
De acordo com relatos dos presentes, Guaranho já tinha invadido a sede da Associação Esportiva Saúde Física Itaipu e ameaçado quem estava na festa, gritando "aqui é Bolsonaro" e que iria "acabar" com todo mundo. Depois saiu e voltou armado. Arruda já foi candidato a vice-prefeito pelo PT.
Dessa forma, Guaranho atende ao discurso do então candidato Jair Bolsonaro, que em 1º de setembro de 2018 afirmou "vamos fuzilar a petralhada" em um evento de campanha em Rio Branco (AC). Para deixar claro que não era em sentindo figurado, ele pegou um tripé de uma câmera e fingiu estar disparando uma metralhadora.
No dia 21 de outubro do mesmo ano, em uma participação virtual de um ato de apoio à sua candidatura na avenida Paulista, em São Paulo, Jair prometeu "uma limpeza nunca vista na história desse Brasil" após eleito. "Vamos varrer do mapa esses bandidos vermelhos do Brasil".
A vitória do presidente abriu uma temporada de temporada de caça a adversários políticos e ideológicos e ao jornalismo crítico e investigativo no país. Ele diz que não manda ninguém cometer crime algum. Fato. Contudo, é a sobreposição de seus discursos ao longo do tempo que distorce a visão de mundo de seus seguidores e torna a agressão "necessária'' para tirar o país do caos e extirpar o "mal".
E é Bolsonaro quem age para definir o que é o mal, como em seu discurso, deste sábado (9), na Marcha para Jesus, em que se colocou como representante do "bem" nessa luta. Dessa forma, alimenta fãs malucos ou seguidores inconsequentes que fazem o serviço sujo.
E ele, por ter sofrido o atentado em setembro de 2018, deveria mais do que ninguém pacificar os seus. Mas, pelo contrário, ele os incita para mantê-los ao seu lado.
Bolsonaro não é o único a fomentar intolerância, mas é o que fomenta a intolerância armada
O atual presidente não é o único político que fomenta a intolerância, mas é aquele que incentiva tanto a intolerância quanto o armamento de seus seguidores. As duas coisas juntas são uma mistura mortal. O presidente facilitou o acesso a revólveres, pistolas, rifles e munição, além de sistematicamente defender que a população pegue em armas para defender o que acredita ser o certo.
Ao longo dos últimos quatro anos, o presidente fomentou diuturnamente o ódio contra os adversários entre os bolsonaristas-raiz. Considerando os 17% que acreditam em tudo o que ele diz, segundo números do Datafolha, os petistas são o mal a ser erradicado, ideologicamente, fisicamente.
Durante o processo de impeachmentde Dilma Rousseff, o "vermelho" se tornou a cor errada por um longo tempo, levando pessoas que vestissem essa cor serem punidas. A perseguição de um certo "macarthismo à brasileira" se instalou, bem como um clima de caça às bruxas a toda ideologia que não fosse aquela que vestia camisa da seleção - que, como não se enxerga como ideologia, mais ideológica é.
Criaram-se monstros. No contexto histórico, político e institucional apropriados, alguém visto como "normal" pode ser capaz de se tornar o que convencionamos chamar de monstro dependendo do bombardeio ideológico que sofreram.
Ou seja, os monstros são nossos vizinhos ou podemos ser nós mesmos. Pessoas que colocam em prática o que leem e absorvem em redes sociais: que seus adversários são a corja da sociedade e agem para corromper os valores morais, tornar a vida dos "cidadãos pagadores de impostos" um inferno, e a cidade, um lixo. Seres descartáveis, que vivem na penumbra e nos ameaçam com sua existência, que não se encaixa nos padrões estabelecidos do bem. E, portanto, devem morrer.
Tragédia se soma a outros atos de violência de seguidores do presidente
A tragédia em Foz do Iguaçu soma-se à bomba caseira lançada contra o palco do ato de Lula no Rio de Janeiro, nesta quinta (7). Ninguém se feriu. E ao drone que atacou um ato do petista em Uberlândia (MG), lançando um produto químico contra moscas sobre os presentes. Ou o carro do juiz que mandou prender o ex-ministro Milton Ribeiro no curso de uma investigação sobre corrupção no MEC.
Como já disse aqui, com ou sem tentativa de golpe por parte do presidente da República se perder as eleições, o mês de outubro já é uma tragédia anunciada pela escalada de violência. Eu disse há alguns dias que logo teríamos casos como o do músico Moa do Katendê, que votou em Fernando Haddad (PT) e foi morto a facadas por um bolsonarista, no dia do primeiro turno de 2018, após uma discussão sobre política em Salvador.
Para evitar isso, líderes políticos precisam melhorar o ambiente tóxico. E Bolsonaro deveria frear aqueles que atiçou, adotando um discurso de paz, não de guerra. O que, claramente, não deve acontecer.
A democracia está sendo fuzilada, sob o silêncio de quem só se importa em ganhar dinheiro, a cumplicidade dos que amam emendas bilionárias e o aplauso de quem acha que a morte é o destino de todos.