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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro põe embaixadores em 'cercadinho' e despeja mentira requentada

Colunista do UOL

18/07/2022 19h19

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Por mais de 40 minutos, embaixadores estrangeiros sentiram o gosto do que é ser um daqueles figurantes que habitam o cercadinho de Jair Bolsonaro, onde conta livremente fake news sobre o céu e a terra para receber palmas em frente ao Palácio do Alvorada. A diferença é que, desta vez, ele não estava falando diretamente a fãs e seguidores.

"Está sobrando tempo para o seu governo", comentou, de forma irônica, a esta coluna um representante diplomático que acompanhou o evento. Bolsonaro tem sido cobrado dentro do país sobre a disparada no preço dos alimentos e a fome e, fora, sobre a alta no desmatamento da Amazônia. Prefere se dedicar a criar barulho institucional visando à reeleição.

Sem trazer provas, em uma apresentação constrangedora e com um PowerPoint com erros de inglês, o presidente fez um compilado das mentiras que ele e seu governo vêm contando sobre o sistema eleitoral e as instituições brasileiras e despejou nos embaixadores.

E, atropelando a lei eleitoral, utilizou a estrutura da TV Brasil, um canal público, para divulgar de graça o que pode ser considerado um ato de campanha realizado em um prédio público, a sede do Poder Executivo.

Afirmou que hackers atuaram por meses no sistema do TSE, podendo mudar o que quisessem (o que é mentira). Disse que a eleição não é auditável sem o voto impresso (o que também é mentira). Indicou que há um conluio do STF e do TSE para eleger Lula (o que é mais uma mentira). Disse que as eleições de 2018 foram fraudadas porque ele acha que venceu no primeiro turno (o que é outra mentira). Sugeriu que as eleições de 2020 nem deveriam ter sido realizadas por desconfiança da eleição anterior (o que é uma sandice). E, frisando que é o chefe das Forças Armadas, disse que elas não assistirão quietas às eleições (o que é uma ameaça).

Há alguns desdobramentos novos das mentiras de sempre e algumas ameaças antigas com roupagem nova, mas foi o choque-golpe de sempre, com uma lista de crimes de responsabilidade. Um almanaque das lives presidenciais, usando, desta vez, os embaixadores para garantir credibilidade.

O principal público do show de horror em formato stand up do presidente não foram as representações estrangeiras no Brasil - que já conhecem os seus discursos. O impacto lá fora não será favorável a Bolsonaro, como comentaram à coluna três embaixadores brasileiros logo após o evento. Ressaltam, porém, que não deixa de ser vergonhoso e constrangedor que nossa política externa, historicamente respeitada por sua independência e serenidade, tenha se transformado em instrumento de caráter golpista.

O principal público-alvo é interno. Jair mostra, dessa forma, aos brasileiros que denuncia ao mundo um golpe em curso perpetrado pela oposição e pela Justiça Eleitoral quando é ele, na verdade, quem está construindo um golpe não apenas para não reconhecer o resultado das urnas, caso perca, mas a fim de reduzir o respeito pelas decisões judiciais nos próximos meses e a credibilidade das instituições.

Pelo menos, Bolsonaro nos fez um favor.

O candidato do PL entregou aos diplomatas um pacote completo das mentiras mais usadas contra o sistema eleitoral e as instituições brasileiras. Agora, eles mandarão relatos para casa do que ouviram. Isso vai ajudar a mostrar que o quadro bizarro não era invenção da imprensa brasileira e dos correspondentes internacionais que atuam aqui. Pelo contrário, é bem mais comedido do que a realidade tresloucada apresentada pelo presidente.