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De olho em votos, Bolsonaro só lamenta morte de PM na Chacina do Alemão
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De olho nos votos de policiais e do eleitorado que acredita que a solução para a violência urbana é jogar uma bomba em comunidades pobres, Jair Bolsonaro negou solidariedade às famílias de 18 dos 19 mortos da chacina policial no Complexo do Alemão, no Rio. Lamentou apenas a do cabo Bruno de Paula Costa. "Você que se solidarize com essas pessoas, tá ok?", disse o candidato do PL a jornalistas.
"Essas pessoas" incluem Letícia Salles, 50 anos, que tinha ido visitar o namorado no Alemão. Segundo familiares, ela morreu após ser atingida por uma bala no peito disparada por policiais quando estava dentro do carro.
E também Solange Mendes, 49, atingida na cabeça quando estava na rua. Socorrida e levada ao Hospital Estadual Getúlio Vargas, não resistiu aos ferimentos. A PM atribui o óbito a criminosos que tentavam atingir policiais.
Mas não apenas. As forças de segurança públicas têm o direito de se defenderem caso suas vidas estejam em risco, mas isso não significa que toda pessoa morta por um policial era obrigatoriamente suspeita ou culpada de algo - ao contrário do que narrativas criadas para esconder execuções querem fazer crer.
Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil já afirmou à coluna que ter levado uma bala torna uma pessoa automaticamente suspeita no Rio de Janeiro. "Morrer na mira da polícia é um atestado de suspeição", avalia.
Essa visão faz da Justiça algo desnecessário. Porque a própria polícia, cuja função é investigar e prender quem comete crimes, também assume o papel de acusar, julgar e executar.
A declaração de hoje do presidente da República está alinhada ao justiciamento bolsonarista: de que a prova de que "essas pessoas" são culpadas é que elas morreram.
Após os 28 mortos da Chacina do Jacarezinho, em 6 de maio do ano passado, o delegado do Departamento Geral de Polícia Especializada afirmou: "Não tem nenhum suspeito aqui. A gente tem criminoso, homicida e traficante". Hamilton Mourão, vice-presidente da República, disse que os mortos eram "tudo bandido", sem apresentar evidências disso.
E a ideologia que substitui a política e a justiça pela violência como forma de resolver conflitos deixa uma montanha de corpos negros mortos em comunidades como o Jacarezinho, a Vila Cruzeiro e Complexo do Alemão.
Não é novidade que, após chacinas cometidas pela polícia ou pela milícia no Rio de Janeiro, bolsonaristas nas redes sociais celebram efusivamente as mortes. Essa falta de respeito à Justiça e o apoio ao justiciamento com as próprias mãos é o mesmo motor que alimenta o risco de insurreição de apoiadores do presidente contra instituições em caso de derrota em outubro.
De "morreu foi pouco" até "favela só têm bandido", há uma catarse digital daqueles que não estão nem um pouco interessados em desmantelar organizações criminosas de forma inteligente, cortando fluxos de armas e de dinheiro. Querem a guerra.
E sobre Letícia Salles e Solange Mendes? E sobre outros que não estavam em confronto e morreram mesmo assim? Nas redes, mortes como essas são justificadas com "pena, mas a guerra cobra seu preço" e "se tava por lá, boa gente não era". Essa última, aliás, é uma variação do "se levou bala é porque é bandido".
De certa forma, foi até bom o presidente ter ignorado as famílias dos moradores que vão chorar seus mortos por causa de políticas de segurança pública completamente equivocadas, que preferem conter na bala comunidades pobres ao invés de incluí-las socialmente. Imagina se ele resolvesse usar novamente uma de suas mais famosas declarações de "incentivo".
Após Goiás ter registrado recorde de mortes pela covid-19, Bolsonaro criticou quem pranteava seus mortos e não voltava ao trabalho em um comício em São Simão (GO), em 4 de março do ano passado."Chega de frescura, de mimimi. Vão ficar chorando até quando?", disse.
A resposta para isso passa por quanto tempo a política que ele defende continuará no poder.