Topo

Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Saiba por que pesquisa eleitoral é mais confiável que enquete e 'datapovo'

Agência Brasil
Imagem: Agência Brasil

Colunista do UOL

10/09/2022 12h35

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Horas antes de a nova pesquisa Datafolha, que apontou Lula com 45% e Bolsonaro, 34%, ser divulgada, na noite desta sexta (9), seguidores do presidente e sua máquina de campanha já inundavam as redes sociais e aplicativos de mensagens de ataques ao instituto contando com a ignorância de parte dos brasileiros sobre matemática.

Uma das mentiras mais recorrentes foi aquela que apresenta enquetes com dezenas de milhares de respostas, mostrando Bolsonaro com mais de 60% dos votos e afirmando que elas têm mais credibilidade do que o Datafolha, com suas 2.676 entrevistas em 191 cidades.

Outra bastante utilizada é a que mostra imagens de manifestações bolsonaristas em Brasília, no Rio de Janeiro ou em São Paulo, no 7 de setembro, defendendo que a prova de que o presidente tem mais voto que Lula é que ele reúne multidões nas ruas. A falácia tenta fisgar o pitoresco eleitorado que vota em quem está na frente.

A esta altura da evolução humana, não precisaríamos ter que explicar esse tipo de coisa, mas a partir do momento em que a matemática e a estatística são tratadas como inimigas, repetir o óbvio se faz necessário. Abaixo três explicações que ajudam a entender por que pesquisas eleitorais são mais confiáveis que enquetes sem valor científico e imagens de aglomerações.

1) Pesquisa está para a vacina como a enquete para a cloroquina

Enquetes medem a opinião de uma bolha, como os seguidores de uma rede social ou os integrantes de um grupo. Quando queremos entender o comportamento de um país ou um estado inteiro, é necessário usar técnicas de estatística, um ramo da matemática, entrevistando pessoas proporcionalmente ao peso de seu grupo na sociedade.

Ou seja, há um número de homens e mulheres, jovens, adultos e idosos, pobres, classe média e ricos, católicos, evangélicos e ateus, entre outros estratos. Assim, questionando pequenas amostras, você consegue ter uma ideia do universo inteiro - claro, dentro de uma margem de erro e de um intervalo de confiança.

Nesse sentido, uma pesquisa com 2.676 pessoas é muito mais acurada do que uma enquete com 100 mil. Dá um trabalho do cão, leva tempo, custa dinheiro e é feito por profissionais habilitados - bem diferente de uma enquete em uma rede social.

Além disso, as pesquisas eleitorais devem ter suas metodologias registradas no Tribunal Superior Eleitoral - onde podemos ver quais são os métodos que adotaram. Muitos levantamentos picaretas vêm sendo disparados pelo bolsonarismo nas redes para convencer que o presidente tem maioria absoluta.

2) Pesquisas não são bola de cristal. Duvide de quem promete ler o futuro

Outra sacanagem que circula e que se baseia na ignorância sobre pesquisas é dizer que elas erraram em 2018 usando como base levantamentos realizados meses antes da eleição, pois não "previram" corretamente os resultados.

Para muita gente que não sabe matemática pode parecer confuso como um levantamento que apontava alguém na frente antes, agora mostrar essa pessoa atrás. Pesquisas, contudo, não são bolas de cristal, elas não preveem nada. São apenas uma fotografia tirada da corrida eleitoral em um determinado momento.

A posição dos candidatos vai se alterando ao longo do tempo por uma série de razões: uma denúncia gravíssima que tire votos de seu adversário, a empatia causada pelo candidato sofrer um atentado, a melhora ou piora na inflação, a distribuição de dinheiro público para a população, mentiras espalhadas por uma campanha.

Uma sequência de fotografias, ou seja, de pesquisas, pode apontar uma tendência de subida ou de descida nas intenções de voto de uma pessoa, tendência que fica mais forte na reta final da eleição. Hoje, a sequência de pesquisas do Datafolha aponta um estreitamento da diferença entre Lula e Bolsonaro, mas não na velocidade e na intensidade que o atual presidente desejaria.

3) Uma foto do estádio do Palmeiras lotado não significa que ele tem a maior torcida do Brasil

Uma conhecida tática adotada para manipular o eleitorado é usar imagens de aglomerações a fim de tentar convencer que o apoio é bem maior do que realmente é. Partem de um fato concreto (o candidato é realmente uma pessoa popular capaz de atrair muita gente, como levou no 7 de setembro) para vender uma extrapolação falsa (essas multidões demonstram que a maioria dos brasileiros está com o candidato). Percebem a diferença?

Não é de hoje que Bolsonaro faz isso. Durante sua campanha eleitoral de 2018, fãs eram convocados para recebê-lo nos aeroportos das cidades por onde Bolsonaro passava. A suposta "surpresa" do candidato transmitia a ideia de que aquilo era um ato orgânico, quando não era de fato.

Além disso, o enquadramento das fotos e vídeos da aglomeração transmite a ideia de que atos são muito maiores do que a realidade. É uma mensagem poderosa mostrar um político ser recebido em sua cidade com pompas de músico ou jogador de futebol famosos. Isso atrai a atenção de indecisos.

Em junho de 2021, o bolsonarismo, já em plena campanha pela reeleição, vendeu que 1,3 milhão de motos participaram de um ato com Bolsonaro no interior de São Paulo. Porém, as praças de pedágio da Rodovia dos Bandeirantes mostraram a passagem de 6.661 motos.

Considerando que o eleitorado apto a votar consiste em 156.454.011 de pessoas, os 34% que pretendem apoia-lo representam 53,2 milhões. É muita gente, capaz de preencher ruas e praças, mas ainda assim é um montante menor do que os 45% que Lula têm hoje, ou seja, 70,4 milhões.

Ou seja, mesmo se enchesse a Esplanada dos Ministérios, a avenida Atlântica e a avenida Paulista, Bolsonaro não poderia dizer que a maioria do povo brasileiro está com ele, mas sim que ele é capaz de mobilizar seu eleitorado. O que é muito, mas não é tudo.

Enquetes sem cuidado científico e o uso de fotos para enganar se beneficiam do chamado viés de confirmação que seguidores de políticos e de seitas tanto buscam. Ou seja, "provas" que mostrem que seu ponto de vista é o correto por mais que a realidade aponte outra coisa. Daí, se as urnas revelarem essa outra coisa, as urnas eletrônicas é que estarão erradas. Para eles, os fatos só servem se se encaixam em suas convicções.

Tudo isso, claro, não exclui a mentira pura e simples. Mensagens distorcem o conteúdo de pesquisas, invertendo a intenção de votos dos candidatos, contando que as pessoas consumam informação de forma bovina.

Por fim, atacar as pesquisas faz parte da estratégia de políticos para manter acesa as suas militâncias - afinal, é difícil manter o ânimo se a tão prometida virada demora a acontecer.