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Leonardo Sakamoto

REPORTAGEM

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'Padre' Kelmon: Para direito eleitoral, é impossível evitar boca de aluguel

Presidente Jair Bolsonaro e candidato Kelmon Souza - Reproducão/Redes sociais
Presidente Jair Bolsonaro e candidato Kelmon Souza Imagem: Reproducão/Redes sociais

Colunista do UOL

30/09/2022 10h49

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É possível evitar que um candidato vá a um debate eleitoral só para ajudar outro, defendendo-o abertamente e atacando seus adversários? A pergunta ecoou nas redes após Kelmon Souza, que se apresenta como padre de uma igreja ortodoxa obscura no Peru não reconhecida no Brasil, tumultuar o debate na TV Globo para ajudar Jair Bolsonaro (PL). A resposta é não, mas dá para reduzir a chance disso acontecer.

O mediador William Bonner repreendeu Kelmon várias vezes por desrespeitar as regras do debate e provocar candidatos, como fez com Lula (PT), gerando cenas constrangedoras.

"Candidato Lula, um minuto, por favor. Eu vou pedir a interrupção do debate. Candidato Kelmon, eu não consigo entender, eu já falei algumas vezes, o senhor compreendeu que tem regras o debate? O senhor concordou com elas. E que basta cumpri-las? Quando o seu adversário está falando é só o senhor aguardar, o senhor vai ter direito a réplica. É assim que funciona. Por favor, em respeito ao público, candidato, por favor", disse Bonner.

Nas redes sociais, bolsonaristas comemoraram o bullying. Afinal, naquele momento o presidente conseguiu tirar Lula do sério, frente a uma figura que se diz padre, sem precisar abrir a boca. Vídeo postado pela jornalista Andréa Sadi mostra Kelmon e Bolsonaro trocando papeis e combinando estratégias no intervalo do debate.

Especialistas em direito eleitoral ouvidos pela coluna lembram que, em uma democracia, não é desejável criar uma barreira discricionária para participação em debates em rádios e TVs, que são concessões públicas, com base na suposição de intenções dos candidatos. Eventos em jornais ou em portais da internet não estão sujeitos às mesmas regras, vale ressaltar, e normalmente fazem uma triagem nos convites.

Mas é possível reduzir a presença de candidatos que se sujeitam a serem bocas de aluguel de terceiros com uma mudança da lei eleitoral que aumente o número mínimo de congressistas que um partido precisa ter para ser chamado para debates em rádio e TV. Hoje, esse piso é baixo, de cinco, somando deputados e senadores.

E seria complicado um recorte com base nas intenções de voto no momento do debate. Qual pesquisa seria escolhida? Datafolha, Ipec, Quaest ou Brasmarket?

"O avanço da cláusula de barreira está reduzindo o número de partidos no Brasil. Com isso, vai ser natural uma mudança de legislação para subir a baliza para convites em debates", avalia à coluna o advogado especialista em direito eleitoral Fernando Neisser, doutor pela Universidade de São Paulo e um dos fundadores da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).

"Hoje, qualquer um que não seja minúsculo pode ir", afirma.

O Brasil instituiu, em 2017, uma regra que avança a cada eleição o piso de deputados federais que um partido precisa eleger para acessar benefícios importantes, como o fundo eleitoral. Em 2018, eram nove, em 2022, passam para 11 parlamentares distribuídos em nove estados. Serão, 15 em 2030.

Na tabela que o TSE divulgou em junho com o número de congressistas considerado para efeitos de divisão de recursos e de tempo de TV, o PTB aparece com dez deputados eleitos e três senadores.

Neisser avalia que a tendência é que um partido maior não se preste ao papel de linha auxiliar de outro para não se inviabilizar com o seu eleitorado. Mas ressalta que, por mais que se desenvolvam mecanismos para dificultar a vida de legendas caça-níqueis, é difícil impedir que partidos se lancem de forma independente apenas para servir à outras candidaturas.

O PTB era cotado para estar junto com o PL, o PP e o Republicanos na coligação de Jair Bolsonaro. Quando resolveu lançar-se de forma independente, isso acendeu o alerta de analistas.

Em agosto, o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) confessou que o palanque do seu partido existe "em apoio ao presidente Bolsonaro, para que ele possa expor aquilo que não pode expor sem ser perseguido".

Inicialmente, Kelmon era candidato a vice de Roberto Jefferson, presidente de honra do partido. O TSE acabou por impugnar a candidatura uma vez que ele cumpre pena em prisão domiciliar.

"O Roberto já é preso, o que poderiam fazer?", perguntou Silveira. Sendo um completo desconhecido e sem um nome a zelar na política, o autointitulado sacerdote também não tem muito a perder ao servir de linha auxiliar do presidente da República.

Uma mudança desse quadro depende, portanto, mais de uma qualificação dos atores políticos presentes no processo eleitoral do que da imposição de regras. Porque, apesar de dificultar, elas não irão barrar arranjos criativos feitos por baixo do pano.