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Aliada de Bolsonaro, Zambelli segue Jefferson e provoca terror armado em SP
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Primeiro Roberto Jefferson, depois Carla Zambelli. Em seis dias, dois aliados próximos de Bolsonaro decidiram resolver divergências usando armas, provocando pânico na população do Rio e de São Paulo, e dando uma amostra do que significa o projeto de sociedade miliciana que Jair Bolsonaro tenta implementar.
Neste sábado (29), a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) perseguiu um homem negro com uma pistola em punho pelas ruas do rico bairro dos Jardins, na capital paulista, após uma ser ofendida por ele.
No domingo (23), o ex-deputado Roberto Jefferson deu mais de 50 tiros de fuzil e jogou três granadas contra policiais federais que tentaram levá-lo, mandando dois deles para o hospital. Eles cumpriam uma ordem do Supremo Tribunal Federal por Jefferson desrespeitar as regras de sua prisão domiciliar.
Um dos vídeos que estão circulando nas redes sociais mostra Zambelli entrando em uma lanchonete com a arma apontada para o homem, aterrorizando os outros clientes que consumiam no local. Ela estava acompanhada de outros, também armados.
Em sua defesa, diz que foi agredida e empurrada por ele. "Eles usaram um negro para vir em cima de mim", afirmou em um vídeo que divulgou. Contudo, outra imagem mostra a deputada caindo sozinha após tentar ir para cima do homem após ele tê-la provocado com "te amo espanhola".
O verso da música de Flávio Venturini havia sido usado pelo senador Omar Aziz (PSD-AM) para rebater ofensas de Zambelli por conta da CPI da Covid, que ele presidia. A citação, por sua vez, é uma referência à declaração da deputada federal Joice Hasselmann (PSDB-SP) que afirmou na CPMI das Fake News que Bolsonaro teria perguntado a ela se era verdade que Zambelli havia trabalhado na Espanha como uma prostituta.
Pode-se compreender que a provocação misógina tenha irritado a deputada, mas daí a perseguir uma pessoa com uma arma em punho por algumas das ruas mais movimentadas de São Paulo, colocando em risco famílias que transitavam por lá, é a representação do projeto de sociedade miliciana bolsonarista. Nesse contexto distópico, a Justiça, que deve julgar e punir, é substituída pelo justiciamento, em que cada um usa as próprias mãos e armas.
Esse justificiamento sempre existiu no país, mas está bombando com a chegada de Bolsonaro ao poder. Ele se manifesta na licença informal para policiais realizarem chacinas em periferias contra negros e pobres, como aquelas realizadas contra o Jacarezinho, a Vila Cruzeiro e o Salgueiro no Rio. E nos centros, com as mortes causadas por brigas.
Na mesma madrugada de 7 de agosto, o campeão de jiu-jitsu Leandro Lo foi baleado na cabeça por um policial militar em um show na Zona Sul de São Paulo e o Lindomar da Silva foi baleado pelas costas após bater no carro de um empresário em Mogi Guaçu (SP). Ambas foram mortes estúpidas, que acontecem em um momento em que as armas de fogo são incensadas pelo presidente como solução dos problemas.
Em outras palavras, as pessoas estão mais armadas e mais empoderadas para usá-las. Desde que assumiu, ele vem facilitando a aquisição de revólveres, pistolas, rifles e fuzis e munição, principalmente para os CAC (caçadores, atiradores esportivos, colecionadores), como era o caso de Roberto Jefferson, Carla Zambelli e o empresário que assassinou Lindomar.
Em uma live no dia 30 de junho, Jair orgulhosamente afirmou que as lojas de armas cresceram em 72% e os clubes de tiro, em 91%, sob seu governo. E alertou que Lula, seu adversário, transformará - veja só, que sacrilégio - clubes de tiro em bibliotecas se for eleito.
Desde a campanha de 2018, ele alimenta seus fiéis com uma retórica de que estão em uma guerra do bem contra o mal. Mais do que um governo, trata-se de uma cruzada para impor ao Brasil os "valores corretos" - processo pelo qual, segundo bolsonarismo, vale a pena pegar em armas para matar ou morrer.
Jair já afirmou mais de uma vez que "se você quer paz, se prepare para a guerra". O provérbio, que vem do latim (si vis pacem, para bellum) é uma variação de uma declaração atribuída ao escritor romano Flávius Vegetius Renatus, que viveu no final do 4º século de nossa era. Significa isso mesmo que parece.
A maioria dos brasileiros, contudo, rejeita a política armamentista do presidente. De acordo com pesquisa Datafolha, divulgada em maio, 72% da população discorda da frase "a sociedade seria mais segura se as pessoas andassem armadas para se proteger da violência". Ao mesmo tempo, 71% discordam da frase "É preciso facilitar o acesso de pessoas às armas".
Por fim, 69% dos brasileiros afirmam discordar e 28% concordar com um dos principais lemas do presidente: "Um povo armado jamais será escravizado".
Até porque, como sempre digo, um povo armado se mata. E aliados armados de Bolsonaro parecem não se importar com isso.