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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Com alta da inflação, Brasil vive ressaca da compra de votos por Bolsonaro

Jair Bolsonaro e Paulo Guedes - Evaristo Sá/AFP
Jair Bolsonaro e Paulo Guedes Imagem: Evaristo Sá/AFP

Colunista do UOL

10/11/2022 10h35

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Para enganar os eleitores, o governo Jair Bolsonaro reduziu a inflação de forma artificial, cortando o ICMS dos combustíveis nos Estados e segurando o preço nas refinarias da Petrobras. Passado o segundo turno, a realidade mentirosa criada pelo "mito" se esgota, com a inflação subindo após três meses de baixa.

Quem defendeu ardorosamente para os parentes, nesta eleição, que o governo havia domado a inflação, agora vai ter que pedir desculpas. Ou deveria.

Pior: o IPCA de outubro ficou em 0,59%, mas se considerarmos apenas os alimentos e bebidas, o índice foi de 0,72%. Ou seja, para os mais pobres, que têm boa parte do orçamento comprometido com comida, a vida ficou ainda mais difícil.

Para tentar se reeleger, o presidente gastou centenas de bilhões em ações eleitoreiras ou em compra de voto descarado. Uma PEC aprovada no Congresso Nacional livrou o seu pescoço de punições por isso. Agora, o Brasil começa a sentir a ressaca do mercado de voto bolsonarista.

De olho na reeleição, Bolsonaro aumentou o Auxílio Brasil para R$ 600, colocou 2,7 milhões de novos beneficiários, aumentou o Vale Gás, distribuiu vouchers para motoristas de caminhão e taxistas. Apesar de alguma melhora em sua intenção de voto entre quem ganha até um salário mínimo, segundo as pesquisas, o grosso dos mais pobres foram com Lula.

Uma das razões para isso é que não adianta despejar dinheiro se o preço de tudo está pela hora da morte. No acumulado do ano do IPCA, a alimentação em casa subiu 11,8%, enquanto a inflação geral 4,7%. A alta do leite está em pornográficos 41,2%.

Apesar de o governo Bolsonaro ter melhorado sua avaliação significativamente, a ponto de um empate entre quem aprovava e reprovava o governo, isso não se converteu em vantagem eleitoral significativa para o presidente uma vez que os mais pobres não tiveram a chamada percepção coletiva de melhora da qualidade de vida.

Pois não é a chegada dos R$ 600 às contas individuais dos beneficiários que muda o voto, mas as famílias sentirem que a vida delas e de sua comunidade está de fato melhor. O que inclui pagar as dívidas com a mercearia, ter geladeiras mais cheias, poder dar um dinheiro para os filhos comprarem um sacolé, tomar uma cerveja com os amigos no domingo. E a inflação dificultou que isso acontecesse.

Todos os estratos sociais sentiram a queda no preço da gasolina, causada pela redução do ICMS (quando o Congresso tirou à força recursos de educação, saúde e segurança nos Estados para baratear os combustíveis). Em outubro, a gasolina ainda teve deflação de 1,56%, influenciando bem menos a inflação geral que nos meses anteriores - em setembro, por exemplo, a queda foi de 8,33%. Vale lembrar, contudo, que os mais pobres, que têm nos alimentos seu principal gasto, não comem gasolina.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, vende que os indicadores mostram que vida melhorou. Mas, novamente, os mais pobres não comem indicadores.

Não à toa, as pesquisas apontaram que dois terços dos cidadãos sabiam que, sob Bolsonaro, o aumento do Auxílio seria temporário e eleitoreiro e que, com Lula, a chance era maior do valor se manter. O presidente eleito está em Brasília, nesta semana, negociando com o Congresso uma forma de garantir recursos para manter o valor no ano que vem.

Se a economia tivesse melhorado o suficiente e os benefícios sociais da PEC da Compra dos Votos tivesse ajudado no poder de compra, e a comida desaparecida voltado à mesa dos trabalhadores, Bolsonaro poderia ter fisgado quem estava preocupado com sua sobrevivência material usando sua pauta de costumes e comportamento. Mas a realidade se impôs.

E como a baixa da inflação foi feita na marra, o Banco Central não se sente confortável para baixar os juros, o que mantém caro o financiamento de bens e serviços e se volta contra o próprio governo ao elevar o pagamento de juros da dívida.

Bolsonaro foi irresponsável do ponto de vista fiscal. A Faria Lima cobrou de Lula provas de que andaria na linha, mas fez vistas grossas quando Paulo Guedes implodia o teto em nome das necessidades eleitorais do presidente. Agora, Lula terá uma herança maldita para lidar. E mesmo com a volta à normalidade democrática e econômica e com o enfraquecimento da pandemia, não será fácil.