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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Lula anuncia fim do negacionismo do clima e da fome no governo do Brasil

Colunista do UOL

16/11/2022 16h28

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Em discurso na cúpula do clima das Nações Unidas, Lula prometeu, nesta quarta (16), que o Brasil voltará a ser uma liderança ambiental, dando fim a um sombrio período negacionista sobre as mudanças climáticas. Mas aproveitou para apontar que está também chegando ao fim o negacionismo da fome.

Ouvir as promessas de desmatamento zero nos biomas brasileiros e de cobrança dos países mais ricos para que banquem custos da redução da emissão de carbono nos países em desenvolvimento é um alento para quem se acostumou a ver Jair Bolsonaro usando fóruns internacionais para culpar indígenas pelas queimadas perpetradas por produtores rurais na Amazônia.

Portanto, ao transportar o seu discurso da vitória, proferido na noite de 30 de outubro, para a COP-27, no Egito, Lula tira o Brasil da posição de ameaça ambiental global para o lugar de formulador e de liderança, fazendo acenos para governos estrangeiros, empresários, produtores rurais, consumidores, sociedade civil.

Em agosto de 2019, o primeiro ano do governo Bolsonaro, o então chanceler Ernesto Araújo deu um banho de negacionismo em reunião com diplomatas: "Não acredito em aquecimento global. Vejam que fui a Roma em maio e estava tendo uma onda de frio enorme. Isso mostra como as teorias do aquecimento global estão erradas. Isso a mídia não noticia".

Um mês antes, em palestra no Heritage Foundation, principal centro de estudos conservador de Washington, ele já havia declarado que a justiça social e a mudança do clima são "pretextos para a ditadura". O governo deixou bem claro ao mundo qual era sua posição diante do tema ambiental e de seus desdobramentos relacionados à segurança alimentar.

Não foi coincidência, então, que dois embaixadores brasileiros, um representante da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) e outro do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, com os quais a coluna conversou nesta quarta, destacaram a importância de Lula ter incluído em seu discurso a questão do combate à fome.

O presidente eleito relacionou o combate às mudanças climáticas com a promoção de uma agropecuária que não desmate, recupere terras degradadas e explore todo o seu potencial, garantindo o fornecimento de alimentos e atuando no combate à fome.

"Este é um desafio que se impõe a nós brasileiros e aos demais países produtores de alimentos. Por isso estamos propondo uma Aliança Mundial pela Segurança Alimentar, pelo fim da fome e pela redução das desigualdades, com total responsabilidade climática", afirmou.

Em 2021, o número de pessoas em todo o mundo afetadas pela fome foi de 828 milhões, segundo a FAO, um aumento de 46 milhões em relação ao ano anterior.

Lula disse que o Brasil está pronto para ajudar a combater essa fome do mundo, mas assumiu que há sim fome no país, criticando o governo Bolsonaro, que ostenta uma atitude negacionista frente ao problema desde que assumiu.

Por exemplo, em agosto deste ano, durante entrevista à Jovem Pan, Jair disse: "Alguém já viu alguém pedindo um pão na porta, no caixa da padaria? Você não vê, pô". Em julho, já havia dito: "Falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira. Passa-se mal, não come bem. Aí eu concordo. Agora passar fome, não".

A sabotagem do governo federal no combate à covid-19, que alongou desnecessariamente a pandemia, e a inflação galopante da comida (em 2022, enquanto o IPCA geral está em 4,7%, o dos alimentos atinge 11,8%) estão entre as razões do número de pessoas que passam fome no Brasil ter subido entre de 19 para 33 milhões entre dois levantamentos da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional.

Em seu discurso, Lula afirmou que "a luta contra o aquecimento global é indissociável da luta contra a pobreza e por um mundo menos desigual e mais justo".

Esse enfrentamento da realidade, segundo os embaixadores e representantes da ONU que falaram à coluna, ajuda a comunidade internacional a lembrar que você não vai resolver um problema sem enfrentar o outro, como se o meio fosse dissociado dos seres humanos que nele vivem.

Uma diferença significativa diante ao atual governo, que não acreditava de fato nem em um problema, nem em outro e, por isso, causava os dois.