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Foco de corrupção sob Bolsonaro, educação sofre novo assalto do governo
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Mais de R$ 1,6 bilhão da área de educação, dos quais R$ 366 milhões das universidades e institutos federais, foram congelados do orçamento deixando as instituições sem grana até para o papel higiênico. Não dá para dizer que este é o insulto final de Jair Bolsonaro porque ainda falta um mês, mas serve para esfriar o otimismo dos que defendem que o governo Bolsonaro já acabou.
Pelo contrário, vai ter muita terra arrasada até 31 de dezembro. Às vezes, literalmente, uma vez que o Brasil está batendo recordes de desmatamento com grileiros, madeireiros, garimpeiros e pecuaristas ilegais se preparando para a volta da fiscalização ambiental efetiva. E olha que nem começamos ainda com a série de decretos de indultos e perdões de aliados.
Bolsonaro gastou o que tinha e o que não tinha para se reeleger, sem se preocupar com o teto de gastos públicos. Agora, enquanto aguarda o caminhão de mudança estacionar no Palácio do Alvorada, raspa o fundo do cofre do ensino superior público sob a justificativa de atender ao teto de gastos.
Se você é professor, funcionário ou estudante e tenta conseguir a atenção do Ministério da Educação para uma demanda justa (mais professores, reformas nas escolas, currículo decente, merenda, água, luz, papel higiênico), precisa se juntar a outros milhares e irem protestar na rua sob o risco de levar borrachada da polícia, respirar gás lacrimogênio ou ser chamado de "massa de manobra" e de "vagabundo" pelo governo.
Mas se for pastor amigo de Jair, tudo fica mais fácil. Afinal, a pasta foi usada para a guerra cultural do bolsonarismo e para enriquecer aliados, não para melhorar a educação.
Como esquecer o icônico áudio do então ministro da Educação Milton "Tiro Acidental" Ribeiro afirmando que "foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim" a demanda por acolher as necessidades do pastor Gilmar Santos e de seus "amigos" prefeitos, interessados em recursos públicos.
Santos e o pastor Arilton Moura integravam o "gabinete paralelo" montado no MEC, segundo revelou o jornal O Estado de S.Paulo. Para tanto, cobravam propina em dinheiro, bíblias e até barras de ouro. Ironicamente, parte do autointitulado povo de Deus continua recolhendo ouro para seus bezerros e falsos ídolos (livro de Êxodo, capítulo 32), milhares de anos depois do episódio na base do monte Sinai.
Descoberto o esquema, o ministro caiu. Mas gravações de conversas telefônicas apontam que ele continuou sendo ajudado pelo presidente, que o avisou de que a Polícia Federal estava em sua cola, atrapalhando uma investigação. Sim, Jair não combateu a corrupção, mas o combate à corrupção, como alertou o próprio ex-juiz Sergio Moro, antes de fazer as pazes com o antigo chefe para se eleger senador.
Não só ele, mas a chapa inteira do PL tem suas digitais nesse escândalo. A Casa Civil da Presidência da República, então comandada pelo general Braga Netto, hoje candidato a vice de Bolsonaro, pediu para que o Ministério da Educação atendesse o pastor Arilton Moura, em janeiro de 2021, conforme e-mail revelado pela Folha de S.Paulo.
Uma CPI do MEC foi aberta, mas, por conta de acertos políticos, sua instalação ficou programada para acontecer após as eleições. Ou seja, não deve rolar. Uma parte do Congresso não está defendendo Jair, mas protegendo a si mesma. Sim, não só pastores lucraram com o Ministério da Educação, mas principalmente o centrão, que agora se prepara para mudar de lado.
Por exemplo, municípios alagoanos com escolas precárias receberam R$ 26 milhões em emendas parlamentares para comprar kits de robótica de uma empresa de aliados de Arthur Lira, presidente da Câmara, fiador de Bolsonaro e, ao que tudo indica, futuro aliado do governo Lula. A empresa lucrou 420% com cada unidade, adquirindo-a por R$ 2,7 mil e vendendo por R$ 14 mil. A investigação da Folha de S.Paulo aponta indícios de direcionamento na licitação, dificultando a entrada de concorrentes que poderiam cobrar mais barato.
A profusão de denúncias de desvios envolvendo o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), dirigido por um ex-assessor do ministro-chefe da Casa Civil e líder do centrão, Ciro Nogueira (PP-PI), indica que teve muito parlamentar com grana não declarada para gastar nesta eleição.
Como esquecer a multimilionária licitação de quatro mil ônibus escolares que, se não fosse por denúncia do jornal O Estado de S.Paulo, teriam feito a alegria de muita gente?
A pior sacanagem é que toda essa promiscuidade na Educação ocorre após uma pandemia que afastou por quase dois anos estudantes das salas de aula gerando uma defasagem em escolas públicas que já seria difícil de ser corrigida sob um governo e um Congresso funcionais que destinassem o dinheiro de universidades para as universidades. Imagine então com os que a gente tem.
Os recursos públicos poderiam ter ido para recuperar o tempo perdido. Poderiam. Mas isso qualquer gestor honesto faria. O que vemos hoje pelas mãos de pastores e parlamentares é a grana que seria usada para garantir carteiras, água encanada, energia elétrica, internet e banheiros nas escolas se transmutar em emendas ou em caixa 2.
Enquanto isso, parte da militância radical de Bolsonaro bate palmas para o bloqueio de verbas para universidades, que eles veem como "cracolândias comunistas" e não como locais que desenvolvem vacinas e respiradores a baixo custo que salvaram vidas da covid-19.
No dia 23 de junho, Bolsonaro sancionou o projeto de lei que limita o ICMS sobre combustíveis, energia elétrica, comunicações e transporte. Mas vetou a compensação que o Congresso Nacional tinha aprovado para que estados e municípios pudessem manter os mesmos valores que desembolsavam em educação e saúde públicas antes da nova lei. Ou seja, tirou da educação para botar no tanque de combustível para delírio dos veículos, que têm mais direitos que gente.
O congelamento de recursos para universidades já havia sido anunciado em outubro, mas cancelado. Estávamos no meio das eleições e isso poderia ser ruim para a imagem de Jair. Agora que perdeu, passa a faca sem dó. Mas tudo bem, é só educação.