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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro prometeu que invasão aqui seria 'pior' que a dos EUA e cumpriu

Colunista do UOL

09/01/2023 10h12

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Após a invasão do Congresso dos Estados Unidos, em 6 de janeiro de 2021, por seguidores de Donald Trump insatisfeitos com a derrota eleitoral, o então presidente Jair Bolsonaro afirmou que se o voto impresso não fosse introduzido em 2022, o Brasil teria um "problema pior que os Estados Unidos". Neste domingo (8), ele cumpriu a ameaça.

O "Capitólio brasileiro", como vem sendo chamado por parte da imprensa internacional, que deu destaque principal em suas páginas ao que ocorreu em Brasília, foi bem mais grave que o original norte-americano.

Por aqui, houve invasão não apenas da sede do Poder Legislativo, mas também do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal, com um grau de destruição e pilhagem muito maior.

Uma das razões para isso é que a invasão do Capitólio ocorreu enquanto Donald Trump ainda era presidente da República a fim de tentar impedir que Joe Biden fosse chancelado como vitorioso. Era a Casa Branca que incitava, portanto, um autogolpe. Por aqui, a invasão da sede dos três poderes ocorre com Lula administrando o país, ou seja, uma clara tentativa de golpe de Estado.

Enquanto em Washington DC tivemos uma ação da polícia, ainda que tardia, que foi para o confronto com os golpistas para limitar o impacto da invasão, em Brasília a Polícia Militar do Distrito Federal fez até escolta para que os terroristas alcançassem a Praça dos Três Poderes.

Depois, agentes de segurança foram vistos confraternizando com eles. Alguns policiais foram tomar água de coco em barraquinhas na Esplanada dos Ministérios ao invés de impedir que os golpistas entrassem nos prédios. Os que, de fato, tentaram bloquear a passagem foram atacados e espancados - como ocorreu um policial e seu cavalo. A segurança militar do Planalto não deu as caras.

Nos Estados Unidos, a cúpula das Forças Armadas foi muito clara, afirmando que quem ganhasse as eleições governaria e os militares estariam sob seu comando. No Brasil, houve comandante escolhido por Bolsonaro que não aceitou bater continência a Lula. E, na porta dos quartéis, o Exército foi leniente com os golpistas.

A organização do ato terrorista brasileiro ocorreu à luz do dia, em convocações em redes sociais e aplicativos de mensagens, durante semanas. Mas o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, seu então secretário de Segurança Pública, o aliado de Bolsonaro Anderson Torres, e o Ministério da Defesa não se prepararam devidamente para a ameaça.

No Brasil, também houve arrogância por parte da imprensa, dos analistas políticos e de membros do governo atual, que ignoravam ou ironizavam os alertas de que a violência bolsonarista iria recrudescer a ponto do nível de destruição vista no domingo. Com a posse de Lula, as aglomerações nos quartéis reduziram-se de tamanho, mas o golpismo tornou-se mais agressivo e disposto a ir às últimas consequências.

Tanto a invasão do Capitólio quanto a dos prédios da Praça dos Três Poderes mostram o que acontece quando presidentes atacam sistematicamente instituições da República, minando a credibilidade do sistema eleitoral e reduzindo o respeito aos outros poderes durante anos.

Concordei explicitamente com Bolsonaro neste espaço, em janeiro de 2021, afirmando que o que ocorrera nos EUA era um exemplo leve do que poderia ocorrer aqui dois anos depois. Assim como Trump, Bolsonaro atacava o sistema eleitoral, expandindo uma dúvida antes restrita a pequenos grupos de adeptos de teorias da conspiração vazias, preparando o terreno para 2022.

Colocar em dúvida o resultado serviu, nos Estados Unidos, para tentar melar o pleito, para que Trump fosse visto como vencedor real pelos seus seguidores fiéis, mantendo sua força, e, ao mesmo tempo, dificultar que ele fosse processado por crimes após deixar o cargo e reduzir a legitimidade do governo do adversário.

No Brasil, instituições são menos robustas do que nos EUA. Aqui, há sempre um militar de alta patente desocupado que ameaça a Suprema Corte pelo Twitter, milhares de pessoas que vão às ruas atacar a democracia e um bom punhado de saudosistas que sofrem por não vivermos em uma ditadura - apesar da tortura e da morte continuarem pela mão dos bandidos e da parcela bandida de agentes de segurança nas periferias.

Com uma democracia mais jovem que a norte-americana, instituições mais frágeis e Forças Armadas com uma relação promíscua com o então presidente, claro que teríamos um desfecho menos republicano.

Infelizmente, contamos com dois anos para nos preparar para o Capitólio brasleiro. Mas no dia D, na hora H, foi muito mais fácil invadir e destruir os três prédios do que conseguir um convite para a Farofa da GKay.

Escrevi aqui há dois anos que milhares de seguidores de Bolsonaro insatisfeitos com uma derrota de seu herói não iriam se satisfazer apenas com protestos contra o resultado e poderiam invadir instituições e atacar jornalistas. Bolsonaristas que foram generosamente armados pelo presidente nos últimos anos, indo às ruas e encontrando com soldados, cabos e sargentos simpáticos ao "mito" não seria algo bonito de ser ver.

Nesse ponto, Bolsonaro não mentiu. Prometeu e cumpriu. Talvez agora ele seja levado a sério e punido pelos crimes que incitou.