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De homem forte a homem-bomba: Delação de Torres faria bem à democracia
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Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e Segurança Pública de Jair Bolsonaro, deveria refletir se vale a pena proteger o antigo chefe e a família dele enquanto estiver amargando uma cana. Neste momento, uma delação premiada poderia salvar sua biografia ao jogar luz sobre sucessivas tentativas de impor uma ditadura no Brasil pela via da força, o que ajudaria na punição dos mandantes.
Ele já tinha uma ordem de prisão contra si por permitir, como responsável pela segurança pública do Distrito Federal, a invasão e depredação da sede dos Três Poderes quando a Polícia Federal encontrou em sua casa um rascunho de decreto a ser baixado pelo então presidente Bolsonaro para melar as eleições após o segundo turno. Ou seja, uma minuta de golpe de Estado.
Considerando que não era ele o principal beneficiado pela proposta, a dúvida é se vale a pena para um delegado de carreira da PF jogar sua vida fora em defesa de alguém que, sistematicamente, abandonou na beira da estrada aliados em nome sua própria sobrevivência, como Gustavo Bebianno. Por mais fiel que seja à família Bolsonaro, todo ser humano consciente tem um limite ao ser tratado como cobaia.
A pergunta é qual o limite daquele que foi nomeado ao ministério para tentar blindar o presidente.
Torres sabe que a justificativa que deu, de que o documento era algo que lhe foi entregue por terceiros e ia para o lixo, ofende a inteligência. Até porque os argumentos da minuta de decreto para intervir no Tribunal Superior Eleitoral parecem algo que saiu dos discursos do então presidente da República. Vai ter que se esforçar mais. Ou abrir o bico.
Sob o comando do então ministro da Justiça, o delegado-geral da Polícia Rodoviária Federal, Silvinei Vasques, dificultou o trânsito de eleitores em rodovias no domingo de segundo turno, principalmente no Nordeste, onde Lula tinha grande vantagem, a fim de interferir no resultado da votação. Depois a PRF fez vistas grossas para os bloqueios organizados por golpistas em dezenas de estradas pelo país.
Já como secretário de Segurança Pública do DF, Torres mudou a estrutura do policiamento da Esplanada dos Ministérios e viajou para os Estados Unidos, onde teria se encontrado com Jair Bolsonaro, em autoexílio desde que deixou a Presidência. A polícia, por conta disso, não foi capaz de conter os golpistas que perpetraram ações terroristas contra o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal.
Agora, surge o documento de natureza golpista no armário do aliado de Bolsonaro, divulgado pela Folha de S.Paulo, guardado por burrice, certeza de impunidade ou, psicanaliticamente, uma vontade inconsciente de ser descoberto. Ou seja, não foi apenas uma vez, é muito golpismo para uma só pessoa.
Isso reforça a investigação contra Bolsonaro, o que pode ajudar a torná-lo inelegível por qualquer uma das ações que correm contra sua candidatura no Tribunal Superior Eleitoral. Ou desaguar em uma ação criminal, com o xilindró como horizonte.
Claro que sou contra a perversão do instrumento que ficou conhecido como "delação premiada". Pessoas foram condenadas em praça pública durante a operação Lava Jato com base em confissões de criminosos que queriam salvar a si próprios, sem a preocupação de que os fatos fossem verdadeiros.
Feito a ressalva e considerando que o governo Bolsonaro foi abertamente golpista, imagino o bem que faria à República um derradeiro ato de coragem de Anderson Torres, delatando Jair.
Na solidão de sua cela, o ex-ministro poderia refletir que foi abandonado pela família que tanto ajudou, pelo núcleo duro do bolsonarismo, pelos empresários financiadores de golpe, pelos correligionários que agora lhe dão as costas porque não querem se contaminar.
Anderson, se você perceber que a sua maionese desandou de vez, delata todo mundo.