Topo

Leonardo Sakamoto

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Operação de guerra yanomami passa por estrangular garimpo e confiscar ouro

Colunista do UOL

30/01/2023 09h25Atualizada em 30/01/2023 19h20

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Para interromper a catástrofe na Terra Indígena Yanomami, o governo federal planeja executar uma operação de guerra a fim de remover entre 20 e 40 mil garimpeiros (o número certo é desconhecido) e combater quem lucra com a exploração do ouro ilegal. Isso já foi feito 30 anos atrás, mas naquela época o crime organizado tinha menos influência, os garimpeiros contavam com menos tecnologia e as cadeias produtivas eram menos complexas.

Uma ação envolvendo diferentes ministérios, da Justiça e Segurança Pública, Meio Ambiente, Povos Originários, Fazenda e Defesa, entre outros, vêm sendo planejada pelo governo Lula. A coluna conversou com fontes nas quatro primeiras pastas para entender quais medidas estão sendo estudadas neste momento. A referência sempre citada é o processo exitoso da década de 1990.

O processo começa com os serviços de inteligência (os mesmos que falharam durante a invasão de 8 de janeiro) para identificar onde estão as lavras e o seu fluxo logístico. Para ser eficaz, o processo precisa ser centralizado a fim de evitar vazamentos. Lembrando que organizações como o PCC e seus aliados chegaram à Amazônia e atuam com o garimpo, com poder de fogo e infiltrados.

A experiência dos anos 1990 mostra que não adianta simplesmente bombardear as pistas de pouso ilegais de aviões, pois elas são recompostas ou substituídas. Isso sem contar o seu número: um levantamento do jornal New York Times baseado em imagens de satélite, no ano passado, aponta mais de 1,2 mil pistas clandestinas na Amazônia.

Bloquear comida, combustível e comércio de ouro ilegal

Mapeados os garimpos, começa a identificação de um fluxo de mão dupla: de um lado, vão combustível, equipamentos, armas, munições, bebidas alcoólicas e alimentos das vilas e cidades para o garimpo; do outro, vem ouro e outros minerais preciosos para serem vendidos ao Brasil e o mundo.

Atuar junto aos fornecedores de produtos que mantém o garimpo de pé, controlando postos de combustível e fiscalizando mercados, impedindo que eles voem para a floresta funciona como uma espécie de cerco, dificultando que os garimpeiros fiquem onde estão.

Ao mesmo tempo, o governo planeja atacar os lucros da atividade, confiscando produtos que não tenham origem comprovada e processando financiadores, receptadores, intermediários, processadores. O "esquentamento" do ouro ilegal guarda semelhança com aquele que ocorre sobre a madeira ilegal, com notas frias, por exemplo. Portanto, isso inclui buscar a aprovação de leis que possibilitem pesadas multas aos atores dessa cadeia produtiva por comprar e vender ouro de origem ilegal.

A sociedade civil defende ações internacionais envolvendo essa indústria nos moldes de acordos firmados sobre minerais com origem em conflitos armados na África.

Investigações da Repórter Brasil, nos últimos dois anos, mostraram que ouro retirado ilegalmente de áreas indígenas Yanomami e Munduruku é vendido em cidades como Boa Vista, Manaus e Itaituba (PA) e, de lá, segue para o mercado interno e externo. A extensa cadeia produtiva termina em joalherias e empresas de tecnologia como Amazon, Alphabet (Google), Apple e Microsoft.

Fechamento de espaço aéreo e expulsão de garimpeiros usando Exército

Por ar, a Força Aérea Brasileira terá que fechar o espaço aéreo sobre o território Yanomami. Defende-se o uso da ameaça presente na Lei do Abate para aeronaves hostis, ligadas ao narcogarimpo, que não aceitarem pousar para fiscalização. Hoje, a FAB tem disparado tiros de advertência, com rajadas ao lado e à frente de aviões ligados ao tráfico internacional de drogas. Aviões e helicópteros também terão que ser confiscados.

Por terra, o Exército, a Polícia Federal, a Funai, o Ministério Público Federal, Ibama, entre outras instituições, munidos com informações dos serviços de inteligência, terão que ir, garimpo a garimpo, desmobilizando frentes de trabalho e destruindo equipamentos - exatamente o que o então presidente Jair Bolsonaro impediu que fosse feito durante sua gestão.

Nesse momento, garimpeiros terão que ser retirados à força caso não queiram sair. No processo de desintrusão da década de 1990, muitos receberam as autoridades à bala e, dessa vez, não será diferente. Por isso, o contingente de agentes de segurança deve ser consistente e preparado para isso. Há 30 anos, eram espingardas e revólveres 38, agora são fuzis e armamentos capazes de derrubar avião.

O grupo também terá que contar com auditores fiscais do Ministério do Trabalho, procuradores do Ministério Público do Trabalho e defensores da Defensoria Pública da União para atuarem junto aos casos de trabalho análogo ao de escravo que vão surgir. O garimpo ilegal é uma das atividades com incidência de escravização no Brasil.

O processo inclui a retomada de pistas de pouso (há locais em que o poder público não pode pousar porque é recebido à bala) e de postos de saúde das mãos de garimpeiros. A retomada, por incrível que pareça, é a parte mais fácil. O difícil será manter técnicos e militares nesses locais para evitar que sejam reocupados pelo crime.

Geração de emprego e renda para garimpeiros

A estrutura à disposição do garimpo ilegal hoje é bem maior que há 30 anos. O estrangulamento da atividade precisa incluir, portanto, operações contra empresas de táxi aéreo que operam para o crime. Outro elemento é a estrutura clandestina de internet usada pelo garimpo para se comunicar, avisando da chegada do poder público, que terá que ser desmantelada.

Empresas de telefonia por satélite também precisarão ser acionadas para ajudar a cortar a comunicação.

Um processo de desintrusão eficaz da Terra Indígena Yanomami, bem como o de outras que foram invadidas pelo garimpo ou por madeireiros ilegais, passa necessariamente pela criação de oportunidades de renda e emprego para os garimpeiros. E essa é uma das partes mais complicadas e pouco discutidas.

Se você não absorve essa mão de obra, ela acaba migrando para outras unidades de conservação e terras indígenas ou voltando com o tempo. Identificar as comunidades que dependem do garimpo ilegal e garantir uma presença forte do Estado, com políticas públicas para gerar renda e possibilitar um mínimo de qualidade de vida é fundamental para estancar o ciclo de pilhagem sobre indígenas e o meio ambiente.