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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Sob Bolsonaro, Caixa virou guichê para compra de voto de eleitores pobres

Colunista do UOL

14/02/2023 08h10

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A Caixa concedeu 99% de todo valor que liberou em empréstimo consignado do Auxilio Brasil exatamente durante o período eleitoral do ano passado. Em outras palavras, o banco se transformou em um imenso guichê para a compra de votos de brasileiros pobres que, no desespero, toparam a proposta de Jair Bolsonaro: trocar o dinheiro da comida por recursos para quitar dividas.

E muita gente acessou esse guichê. Dados obtidos pela incansável Amanda Rossi, do UOL, através da Lei de Acesso a Informação e cobranças à Controladoria-Geral da União (CGU), mostram que quase R$ 7,6 bilhões foram concedidos a 2,9 milhões de famílias nesse período pelo banco.

Depois, a fonte secou. Por quê? Porque não era mais preciso comprar voto de pobre, oras!

O empréstimo consignado concedido a beneficiários do Auxílio Brasil foi a prova de que vale absolutamente tudo em uma eleição - inclusive endividar famílias miseráveis, oferecendo uma miragem em troca da redução dos recursos destinados a aplacar a sua fome. É o crime eleitoral com requintes de crueldade.

Valendo-se da situação de desespero a que estavam submetidos milhões de brasileiros pobres por suas dívidas, o governo Bolsonaro ofereceu a eles a possibilidade de tomar um empréstimo a ser pago com uma parte da grana destinada à compra de um mínimo de comida.

Claro que a possibilidade foi aberta em um contexto eleitoral em que Bolsonaro, segundo as pesquisas, perdia de lavada para Lula entre famílias com renda de até dois salários mínimos.

O dinheiro que entra gera um alívio imediato. E a expectativa de Bolsonaro era que, aliviados, os mais pobres deixassem de votar em Lula e o escolhessem. Agora, quando as parcelas fizerem falta no supermercado, será o "cada um por si e Deus acima de todos". Não dá nem para reclamar com o Jair, que se refugiou na Disney para não ser preso.

O Auxílio está em R$ 600 e mesmo assim é insuficiente para comprar uma cesta básica em 15 das 17 capitais pesquisadas pelo Dieese, segundo levantamento divulgado na semana passada. A parcela máxima para o pagamento da dívida dos contratos daquela época era de R$ 160. Ou seja, neste momento, sobrariam R$ 440 para a família comer. Isso sem contar que os juros anuais cobrados eram bem maiores do que os que incidiam em outros consignados, como os de aposentados ou de funcionários públicos.

E, para piorar, houve muita desinformação circulando. Como a mentira de que caso o beneficiário perca o direito a receber o Auxílio Brasil, o governo federal assumiria o restante da dívida. À coluna, o próprio Ministério da Cidadania deixou claro, na época, que isso não procedia. Quem assume o restante da dívida é o beneficiário.

Com todos esses problemas, a Caixa chegou a suspender a concessão de novos empréstimos após recomendação do TCU na eleição. Mas voltou a oferecê-lo. Agora, as regras mudaram, reduzindo o valor que pode ser emprestado e limitando a 5% o comprometimento da parcela. Mas esses bilhões já emprestados armam uma bomba-relógio social que pode explodir em 2023.

Explorar o desespero do naco mais pobre da população, oferecendo a possibilidade de trocar comida por amortização de dívida, demanda uma falta crônica de empatia por parte de quem formula, executa e lucra com a ideia. Pois isso não é dedução automática em salário, mas em benefício para garantir sobrevivência.

Realmente vale tudo em uma eleição. Até comprar voto devolvendo como troco a fome em prestações a perder de vista.

O caso entra na longa fila de razões para tornar Jair Bolsonaro inelegível. Ironicamente, a informação sobre a sacanagem do credito consignado vem um dia após a revelação de que ele gastou centenas de milhares de reais comprando lanches com o cartão de credito corporativo da Presidência da Republica. Ou seja, usando dinheiro público de forma ilegal para alimentar sua equipe eleitoral.