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Leonardo Sakamoto

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Ministério diz que 95% dos escravizados do vinho são negros e 93%, baianos

Trabalhadores resgatados da produção do vinho aguardam volta para casa - Grupo Especial de Fiscalização Móvel
Trabalhadores resgatados da produção do vinho aguardam volta para casa Imagem: Grupo Especial de Fiscalização Móvel

Colunista do UOL

07/03/2023 16h33

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Dos 207 trabalhadores resgatados da produção de vinho em Bento Gonçalves (RS), 56% têm entre 18 e 29 anos, 93% nasceram na Bahia, 95% se declaram negros (64% pardos e 31%, pretos) e 61% não concluíram o ensino fundamental ou são analfabetos. Todos são homens.

Os dados são do Ministério do Trabalho e Emprego e foram extraídos das guias de seguro-desemprego, que são preenchidas com informações fornecidas pelos próprios resgatados.

As vítimas, que atuavam na colheita e carregamento de uvas, denunciaram que foram vítimas de agressões, incluindo o uso de choques elétricos, spray de pimenta e cassetetes. Segundo eles, a violência física era reservada a quem era da Bahia. Eles trabalhavam para a Fênix, empresa prestadora de serviço contratada pelas vinícolas Aurora, Salton e Cooperativa Garibaldi.

Os números da operação em Bento Gonçalves vão ao encontro do perfil das vítimas de trabalho escravo no Brasil: negros, jovens, poucos anos de estudo, oriundos da região Nordeste e, claro, pobres (ver mais abaixo).

Das 207 vítimas, 193 nasceram na Bahia (93%), dez no Rio Grande do Sul e um em Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo e Sergipe.

E 183 moravam na Bahia (88%), 11 no Rio Grande do Sul, oito em São Paulo, dois no Rio de Janeiro, um no Piauí, em Minas Gerais e em Santa Catarina. Entre os municípios com maior número de residentes, destaque para Salvador (26% do total), Serrinha (17%) e Monte Santo (6%), todos na Bahia.

Quanto à escolaridade, além dos 58% que não concluíram o ensino fundamental e dos 3% são analfabetos, 25% tinham o ensino fundamental completo, 3%, o médio incompleto e 10% haviam concluído o ensino médio.

E enquanto 56% registravam entre 18 e 29 anos, o restante tinha de 30 a 59 anos.

Dos 2.575 flagrados com mão de obra análoga à de escravo em 2022, 92% eram homens, 29% tinham entre 30 e 39 anos, 58% nasceram no Nordeste (sendo que 51% residiam na região) e 83% se autodeclararam negros, 15% brancos e 2% indígenas.

Quanto à escolaridade, 23% declararam ter estudado até o 5º ano incompleto e 20% haviam cursado do 6º ao 9º ano incompletos. Do total, 7% dos trabalhadores resgatados em 2022 eram analfabetos.

Resgate foi marcado por relatos de violência contra as vítimas

Participaram da operação a Inspeção do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho, a Polícia Rodoviária Federal e a Polícia Federal. A assistência social do município e a Secretaria de Justiça do Rio Grande do Sul deram apoio no processo de acolhimento de vítimas.

A operação teve início, nesta quarta (22), após um grupo fugir de um alojamento sem condições de higiene onde, segundo relataram, sofriam agressões. A fiscalização apreendeu tasers e tubos de spray de pimenta no local. Vigilância armada era usada para garantir que tudo permanecesse do jeito que o patrão queria.

Trabalhadores eram ameaçados com frequência. Alguns foram informados que, caso faltassem ao trabalho por questões de saúde, teriam que pagar todos os custos de transporte desde a Bahia. Isso fez com pessoas trabalhassem mesmo doentes.

Recrutados, eles já chegavam com dívidas de alimentação e transporte e, no alojamento, tinham que comprar produtos a preços acima do valor de mercado. Tudo isso era anotado como dívida, o que prendia os trabalhadores aos patrões.

Quando receberam a proposta de emprego, foi prometido a eles salários de R$ 4 mil por mês e boas condições de serviço, como alimentação e alojamento decentes - o que não veio a acontecer. A jornada de trabalho, segundo a fiscalização, chegava a ir das 4h às 21h, configurando uma situação de exaustão. Pagamentos também estavam atrasados.

Para piorar, quem não tinha dinheiro pegava empréstimo a juros que chegavam a 50% durante a safra de um outro aproveitador para poderem comprar itens de primeira necessidade.

Auditor fiscal encontra trabalhadores escravizados na produção do vinho - Inspeção do Trabalho - Inspeção do Trabalho
Auditor fiscal encontra trabalhadores escravizados na produção do vinho
Imagem: Inspeção do Trabalho

Trabalho escravo hoje no Brasil

A Lei Áurea aboliu a escravidão formal em maio de 1888, o que significou que o Estado brasileiro não mais reconhece que alguém seja dono de outra pessoa. Persistiram, contudo, situações que transformam pessoas em instrumentos descartáveis de trabalho, negando a elas sua liberdade e dignidade.

Desde a década de 1940, o Código Penal Brasileiro prevê a punição a esse crime. A essas formas dá-se o nome de trabalho escravo contemporâneo, escravidão contemporânea, condições análogas às de escravo.

De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea por aqui: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de ir e vir), servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas), condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida) ou jornada exaustiva (levar ao trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida).

Desde a criação dos grupos especiais de fiscalização móvel, base do sistema de combate à escravidão no país, em maio de 1995, mais de 60 mil trabalhadores foram resgatados e R$ 127 milhões pagos a eles em valores devidos.

Denúncias de trabalho escravo podem ser feitas de forma sigilosa no Sistema Ipê, sistema lançado em 2020 pela Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Dados oficiais sobre o combate ao trabalho escravo estão disponíveis no Radar do Trabalho Escravo da SIT