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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Prisão de golpista do 'perdeu, mané' atinge projeto miliciano de Bolsonaro

Foto mostra mulher com uma das mãos na pichação "perdeu, mané", na estátua "A Justiça", durante invasão às sedes dos Três Poderes - Gabriela Biló-8.jan.23/Folhapress
Foto mostra mulher com uma das mãos na pichação 'perdeu, mané', na estátua 'A Justiça', durante invasão às sedes dos Três Poderes Imagem: Gabriela Biló-8.jan.23/Folhapress

Colunista do UOL

17/03/2023 13h20

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Poucas cenas sintetizaram tão bem a invasão golpista das sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro, do que uma bolsonarista pichar com "perdeu, mané" a estátua que representa a Justiça. Sua prisão pela Polícia Federal, nesta sexta (17), para além de atender às exigências criminais, é também um repúdio à República Miliciana que Jair Messias tentou implementar.

Pois o mané no peito da Justiça não era destinado ao ministro Luís Roberto Barroso, do STF, que tinha usado a mesma expressão contra um bolsonarista que o importunava em uma viagem a Nova York. O "perdeu, mané" foi destinado a quem acredita no diálogo como instrumento de superação das diferenças e de construção da tolerância mútua, a quem entende o princípio da alternância do poder como base do regime democrático, a quem repudia o uso da violência e da força bruta como formas de demonstrar insatisfação.

Ou seja, o "perdeu, mané" foi destinado à maioria esmagadora do povo brasileiro, tanto aos que haviam decidido nas urnas, dois meses antes, que Lula governaria o país por quatro anos, quanto àqueles que aceitam a derrota de seu candidato, entendendo que vencer e perder são dois lados da democracia.

O recado que os golpistas passaram é que as urnas só podem ser levadas a sério se chancelam o ponto de vista que eles defendem. Caso contrário, são fraudulentas, mentirosas, sujas e precisam ser ignoradas. Tal como Jair Bolsonaro ensinou ao longo de anos de governo, preparando o seu rebanho para o momento da tentativa de golpe.

Ele diz que não foi sua mão que cometeu os crimes, mas foram suas orientações e a de seus aliados que empurraram os idiotas para cometê-los em seu nome. Bolsonaro autorizou as ações golpistas chamadas por ele de "movimentos espontâneos" sob a justificativa de que "a liberdade individual seja a máxima". Por trás da mensagem, está um dos pilares de sua filosofia: a adoção de uma sociedade miliciana, com cada um por si e Jair acima de todos.

De acordo com a Constituição, nossos direitos individuais são limitados pelos direitos de terceiros e da sociedade, em um delicado equilíbrio. Bolsonaro veio subverter esse processo. Desde que assumiu o poder, ele trabalhou para propagar a ideia de que o interesse dos indivíduos é sempre mais importante do que o bem-estar da coletividade. Isso não vale para todo indivíduo, claro, apenas para o "povo escolhido" de Jair Messias, ou seja, os grupos radicais que o apoiam, que fazem parte dos 15% da população que acreditam em tudo o que ele diz.

Entre eles, estão garimpeiros, madeireiros, agropecuaristas que agem de forma ilegal, líderes religiosos ultraconservadores, empresários que desejam fazer o que quiserem sem ser importunados pela CLT, políticos e servidores públicos interessados em levar vantagem, milicianos e parte da banda podre das Forças Armadas e das polícias, entre outros.

Bolsonaro tentou implementar uma República em que as regras e normas que balizam a vida em sociedade fossem deixadas de lado em nome da lei do mais forte, ou melhor, do mais armado. E, ao invés do Poder Judiciário ser o responsável por julgar eventuais embates, ele assumiria essa função. Disseminou, dessa forma, um projeto de sociedade miliciana, onde a Justiça é trocada pelo justiçamento. Um projeto em que as instituições atestam o que o "líder supremo" diz diretamente para o povo ou precisam ser emparedadas.

Essa sociedade miliciana invadiu as sedes dos Três Poderes, em Brasília, em uma tentativa tosca e violenta de golpe de Estado porque havia sido devidamente autorizada por Jair para tanto, porque essas instituições foram contra o que decretou o tal líder supremo. Não queriam Justiça para o que achavam correto, queriam justiçamento, reequilibrando o universo com a força de suas próprias mãos.

Não à toa picharam com "perdeu, mané" a estátua. Queriam o justiçamento da República Miliciana de Bolsonaro de volta.

Não basta a pichadora. Punir o golpismo levando o "líder supremo" à cadeia é garantir que as instituições brasileiras tenham um futuro. A sua impunidade, por outro lado, levará a afirmar que os crimes cometidos por seguidores da extrema direita são realmente manifestações justas de "movimentos espontâneos". O que porá um fim, mais cedo ou mais tarde, e espontaneamente, à democracia.