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Bolsonaro, Anderson Torres e a moda de culpar as drogas para fugir da PF
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Após Jair Bolsonaro alegar estar doidão de morfina quando postou um vídeo golpista que atiçou a extrema direita, seu aliado Anderson Torres afirmou que contava com "grau de comprometimento cognitivo" devido a medicamentos quando entregou as senhas erradas de seu celular. Virou moda dizer estar chapado para escapar da Polícia Federal.
Jair usou a desculpa em depoimento à PF, nesta quarta (26), jurando que teria se enganado ao postar o conteúdo. Suspeita-se que ele está protegendo um dos filhos, o vereador Carlos Bolsonaro, responsável por suas redes sociais e que não conta com foro privilegiado, nem status de ex-presidente.
Já a defesa Torres disse, nesta sexta (28), que as senhas do celular que ele usava quando comandava a Segurança Pública do Distrito Federal (e permitiu, através de sua inação, a depredação das sedes dos Três Poderes no dia 8 de janeiro) foram - convenientemente - esquecidas devido ao efeito de psicoativos. Ele segue preso.
Mas não pode ser verdade? Ambos perderam há tempos o benefício da dúvida nesses inquéritos por terem atentado contra o Estado democrático de direito da forma mais dissimulada. Seria ótimo que estivessem fora de si quando golpearam a República, mas a triste verdade é que havia muita consciência do rumo que desejavam para o Brasil.
Muito antes das hordas vandalizarem o Palácio do Planalto, o Congresso e o STF, em 8 de janeiro, antes mesmo dos trancamentos de rodovias para tentar evitar a posse de Lula (que ocorreram sob vistas grossas da Polícia Rodoviária Federal), a primeira tentativa de golpe foi executada no dia 30 de outubro, quando a PRF, sob as ordens do próprio Torres, criou bloqueios que dificultaram o deslocamento de eleitores, principalmente no Nordeste. Onde o petista tinha maioria.
Inquérito da Polícia Federal sobre o caso aponta que o setor de inteligência do Ministério da Justiça fez um levantamento dos locais onde o petista foi mais votado para subsidiar bloqueios de estradas no segundo turno. Não só isso, como Torres viajou à Bahia para pedir apoio da superintendência da PF local à ação da PRF. Não há relatos de que estivesse em um estado alterado de consciência quando fez isso.
Já como secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, ele deixou a estrutura do policiamento da Esplanada dos Ministérios frouxa e viajou para os Estados Unidos, onde teria se encontrado com Jair Bolsonaro, em autoexílio desde que havia deixado a Presidência. A PM, por conta de suas decisões, não foi capaz de conter os golpistas no 8 de janeiro.
Depois disso, ainda surgiu um documento de natureza golpista no armário de sua casa, guardado por burrice, certeza de impunidade ou, psicanaliticamente, uma vontade inconsciente de ser descoberto. Dava autoridade aos militares para atropelarem o Tribunal Superior Eleitoral e melar as eleições.
Como já repeti aqui várias vezes, sou contra a perversão do instrumento que ficou conhecido como "delação premiada". Pessoas foram condenadas em praça pública durante a operação Lava Jato com base em confissões de criminosos que queriam salvar a si próprios, sem a preocupação de que os fatos fossem verdadeiros.
Feita a ressalva, faria bem à República e a ele mesmo que Torres contasse a verdade ao invés de mimetizar Jair Bolsonaro na desculpa das drogas. Não faz sentido manter a lealdade a um político conhecido por abandonar seus antigos aliados na beira da estrada quando eles não lhes são mais úteis.
Seria ótimo que a polícia e a Justiça aceitassem esse tipo de justificativa também de pessoas pobres suspeitas de cometer crimes, mas que não contam com equipes de caros advogados e assessores dedicadas integralmente às suas necessidades.
Da mesma forma, seria ótimo se um moleque que furta TV tivesse o mesmo tratamento que Jair, que surrupiou joias milionárias da União. Ele segue respeitado pelas forças de segurança, enquanto o moleque, não raro, nem chega vivo na delegacia.