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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro ignora próprio conselho, chora e faz 'mimimi' em fraude da vacina

Colunista do UOL

03/05/2023 16h41

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O mesmo Jair Bolsonaro que, em 4 de março de 2021, afirmou "chega de frescura, chega de mimimi, vão ficar chorando até quando?" a uma sociedade que pranteava seus mortos pela covid-19, chorou, nesta quarta (3), quando falou sobre uma operação de busca e apreensão em sua casa. A Polícia Federal investiga fraude exatamente em seu registro de vacinação contra covid, o que permitiu que ele viajasse aos Estados Unidos. Sim, o mundo não gira, capota.

Apelando ao vitimismo, Jair tentou convencer que é alvo de um complô e de um esculacho. Em entrevista ao programa Pânico, da Jovem Pan, chorou ao comentar que os agentes da PF fotografaram o cartão de imunização de sua esposa, Michelle. "Por que eu fico emocionado? Mexer comigo, sem problema. Quando vai para esposa, filha, aí o negócio é desumano", afirmou.

O mesmo político que diz isso é o que usou a conta da esposa para receber R$ 89 mil em cheques suspeitos de Fabrício Queiroz, que a envolveu no escândalo das joias árabes milionárias surrupiadas do patrimônio público, que a empurrou para a fogueira eleitoral a fim de conseguir votos dos evangélicos. Ou seja, foi ele quem a pôs em uma posição de protagonista. Deveria ficar indignado consigo mesmo.

Mais cedo, Bolsonaro já havia terceirizado a responsabilidade pelo cartão fraudado, dizendo que não sabe quem registrou a vacina em seu nome. Jogou, dessa forma, o peso da responsabilidade no tenente-coronel Mauro Cid. O seu ex-ajudante de ordens também foi seu companheiro de grandes aventuras. Como no caso das joias, nas lives negacionistas durante a pandemia, no pagamento de suas contas com dinheiro. Um arquivo-vivo.

Se ele não sabia que o registro foi forjado para que, convenientemente, pudesse viajar para os EUA, por que decretou sigilo de 100 anos sobre seus dados médicos antes de deixar o poder?

Bolsonaro gosta de encenar dois papeis: o de machão que bate e arrebenta, que fala que "a morte é o destino de todos" e diz a pessoas em luto pela covid para deixarem de "frescura e mimimi", e o sujeito frágil que se vitimiza e chora diante das câmeras, sempre com pena de si mesmo. Conecta-se, dessa forma, a uma parcela do seu público fiel, que quer seguir, mas também dar colo a seu "mito".

Jair Bolsonaro foi extremamente modesto ao afirmar, em entrevista ao Wall Street Journal, em fevereiro, que "uma ordem de prisão pode vir do nada", quando ele voltasse ao Brasil do seu autoexílio nas cercanias da Disney. Uma ordem de prisão não virá do nada, pelo contrário, se vier será uma ação tardia, um ajuste de contas com os que morreram por causa dele e não estão mais aqui para exigir Justiça.

O capitão reformado poderia ter assumido o papel de comandante da maior guerra que o país já teve, articulando esforços nacionais em nome do bem comum. Possivelmente, sua popularidade estaria bem melhor e a reeleição garantida. Com medo que a economia atrapalhasse seus planos, empurrou a população para a rua. E se pegar a doença, pegou. E se morrer, morreu.

Pediu-se a Bolsonaro que ajudasse a combater o vírus. Não foi possível, ele não topou. Depois, que parasse de atrapalhar quem estava combatendo. Também não rolou. Então, restou pedir para que evitasse tripudiar da gente, que perdeu entes queridos para a doença. Deu de ombros e continuou a zoar com a morte.

Faço uma humilde sugestão a ele neste momento difícil: "chega de frescura, chega de mimimi, vai ficar chorando até quando?"