Topo

Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Crivella tem mandato cassado por bancar jagunços com grana pública no Rio

Colunista do UOL

28/05/2023 19h14

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

A Justiça Eleitoral cassou o mandato do deputado federal Marcelo Crivella (Republicanos-RJ) pelo uso de jagunços para impedir que jornalistas mostrassem o caos na saúde do Rio de Janeiro em 2020. Conhecidos como "Guardiões do Crivella" (apelo bíblico, né?), eles tumultuavam reportagens na porta de hospitais para proteger a candidatura do então prefeito à reeleição.

Quase funcionou, mas Eduardo Paes (PSD) ganhou o 2º turno naquele ano.

A existência de grupos de WhatsApp que organizavam os jagunços, assessores comissionados do poder público municipal, foi revelado em uma reportagem da TV Globo, que ainda desmascarou alguns deles em frente às câmeras.

Um político ser descoberto ao usar jagunços para encobrir sua incompetência seria motivo de vergonha. Se não renunciasse, seria cassado pelo parlamento local. Mas a Câmara dos Vereadores rejeitou, por 25 a 23, a abertura de processo de impeachment contra Crivella sobre o caso. Afinal, o que é um prefeito que contava com jagunços se o Rio já tinha produzido uma família presidencial que condecorava e elogiava milicianos?

Agora, a juíza da 23ª Zona Eleitoral do Rio de Janeiro, Márcia Capanema de Souza, condenou Crivella à inelegibilidade por oito anos a contar de 2020 (e, com isso, ele perde o mandato conquistado em 2022) e terá que pagar uma multa de R$ 433.290. À decisão, cabe recurso.

Uma pesquisa Datafolha, de dezembro de 2019, portanto antes do coronavírus matar milhares de pessoas na cidade, mostrou que 68% dos entrevistados já apontavam a saúde como o pior problema da capital fluminense. Para ter uma ideia do que representa isso, só muito depois veio a violência, com 12%.

Faltava empatia ao prefeito. Em março de 2020, após uma enchente castigar Realengo, na Zona Oeste do Rio, arrastando carros, derrubando casas, cobrindo de lama os pertences de moradores, ele visitou o bairro e disse que a culpa era das mesmas pessoas que tinham perdido tudo. "A culpa é de grande parte da população, que joga lixo nos rios frequentemente", disse.

Não foi um lapso, pois repetiu a ideia na entrevista dada à imprensa. Revoltados, moradores presentes hostilizaram-no, que acabou atingido por lama. Disse depois, que o impacto das chuvas seria mitigado se as margens dos rios não fossem ocupadas por pessoas que "gostam de morar ali perto porque gastam menos tubo para colocar cocô e xixi e ficar livre daquilo".

O nível da argumentação violenta era o mesmo usado pelos "Guardiões do Crivella". Da mesma forma, os gritos atrás das câmeras de jornalistas em portas de hospital para impedi-los de colher informações não é muito diferente do que aconteceu em junho de 2017, quando sua administração não alertou sobre a gravidade das chuvas que caíam sobre o Rio para evitar que a população entrasse em pânico. Sim, foi isso mesmo que você leu.

Crivella poderia ter governado nos últimos quatro anos. Preferiu fazer proselitismo religioso (dando preferência a fiéis de igrejas no acesso a serviços públicos em detrimento aos demais cidadãos), castrar direitos (ou você esqueceu que ele arranjou tempo, mesmo com uma cidade mergulhada em problema, para mandar recolher gibis por causa de uma ilustração de um beijo gay na Bienal do Livro?) e censurar a imprensa.

Durante o último debate à Prefeitura do Rio, Marcelo Crivella repetia insistentemente que seu adversário, Eduardo Paes, seria preso por corrupção. Menos de um mês depois, foi o prefeito e bispo licenciado da Igreja Universal que acabou em cana na manhã do dia 22 de dezembro de 2020 - quando ainda era prefeito. Um dia depois, graças a uma decisão do STJ, foi transferido do presídio de Benfica para a prisão domiciliar.

De acordo com denúncia do Ministério Público do Rio, ele era "vértice" e "idealizador" de uma organização criminosa conhecida como "QG da Propina" e "orquestrava" um esquema para "aliciar empresários para participação nos mais variados esquemas de corrupção" usando seu cargo para tanto. Ele se tornou réu por esse caso na Justiça Eleitoral em fevereiro deste ano.

Não houve registro de que os Guardiões do Crivella tentaram atrapalhar o trabalho da Polícia Civil, do MP-RJ ou da imprensa durante a prisão do ex-prefeito.