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Gastos de 'Arthur' sugerem à PF que Lira tinha o seu próprio Mauro Cid
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Agora o bicho pegou: após semanas de investigações sobre desvios de dinheiro público através da compra de kits de robótica para escolas de Alagoas envolvendo aliados, assessores e doadores de campanha de Arthur Lira (PP-AL), agora surgem indícios de que o todo-poderoso presidente da Câmara pode ter se beneficiado da grana.
(Desde o começo a questão não era "se", mas "quando" isso aconteceria.)
A Folha de S.Paulo mostrou que um documento apreendido com Luciano Cavalcanti, ex-assessor BFF de Lira, listava R$ 650 mil em 30 pagamentos entre dezembro de 2022 e março de 2023 para "Arthur".
Já a revista Piauí trouxe que um caderno-caixa apreendido pela Polícia Federal em um carro no endereço de Wanderson de Jesus, motorista de Cavalcanti, aponta que "Arthur" recebeu 11 pagamentos totalizando R$ 265 mil entre abril e maio deste ano.
Como os investigadores suspeitam que o tal do Arthur seja Lira, o caso de corrupção envolvendo os kits de robótica foi enviado ao Supremo Tribunal Federal, pois o deputado federal tem foro privilegiado.
Muitos dos pagamentos diziam respeito a gastos que teriam sido feitos pelo presidente da Câmara, como hotéis, alimentação, combustíveis, impostos e despesas médicas da família.
Lira, em nota à imprensa, afirmou que as movimentações realizadas, mesmo as executadas pela sua assessoria, têm origem no seu salário como parlamentar e nos seus ganhos na agropecuária.
Por mais que ele queira se afastar do problema usando a mesma tática que Bolsonaro adota para se distanciar das suspeitas de que dinheiro subtraído ilegalmente dos cofres públicos tenha irrigados as despesas da então primeira-dama Michelle, o cerco vai se fechando. E Luciano Cavalcanti, faz-tudo de Lira, vai ganhando as feições de Mauro Cid, faz-tudo de Jair.
Pois o caso tem pé de porco, orelha de porco e focinho de porco, ou melhor, de robô. Dificilmente, não se trata de um robô.
Lira ainda não é alvo da investigação da Polícia Federal sobre desvio de dinheiro público através de mutretas com a venda de kits de robótica para escolas de municípios pobres de seu estado, escândalo revelado pela Folha de S.Paulo em abril do ano passado. Ainda. Isso depende da análise do ministro Luís Roberto Barroso.
Mas seu aliado, Edmundo Catunda é dono da empresa Megalic, vencedora de licitação de kits com sobrepreço e alvo. Luciano Cavalcanti, ex-assessorzão de Lira, exonerado após o escândalo, foi flagrado coletando dinheiro do esquema e é alvo. Murilo Nogueira Júnior doou o uso de sua picape a Lira para que ele fizesse campanha eleitoral - o veículo foi o mesmo usado na coleta de cascalho desviado. E Lira é o autor da indicação de R$ 32,9 milhões do orçamento secreto para a compra dos tais kits de robótica.
Como vão se portar aliados, assessores e doadores de campanha envolvidos na maracutaia diante de um Lira que já vem usando outra tática também imortalizada por Bolsonaro do "cada um é responsável por seu CPF"? Ou seja, cada um por si e Deus acima de todos. Vão assumir a bronca sozinhos?
E como vão reagir deputados do centrão que têm seus esqueletos no armário? O caso dos kits não é único, mas chama a atenção para os demais.
E há profusão de denúncias de desvios envolvendo o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), dirigido na gestão passada por um ex-assessor do então ministro-chefe da Casa Civil e líder do centrão, o senador Ciro Nogueira (PP-PI). Vão abraçar Lira ou deixa-lo se virar sozinho?
Licitações com sobrepreço historicamente se transformaram em lucro fácil para empresários amigos da corte, mas também em cascalho para o bolso dos políticos que tornaram isso possível - que podem usá-lo pagando hotéis de luxo ou em financiamento eleitoral. A PF escarafunchar o dinheiro que fluiu para Alagoas deixa o cabelo de muita gente em pé.
Como efeito colateral, o caso pode levar a um reequilíbrio de forças entre os Poderes Executivo e Legislativo. Afinal, o governo vem sendo emparedado por Lira - que quer controlar o destino de bilhões do orçamento em, dessa forma, estender o seu poder junto a seus pares.
O Ministério da Justiça e o Palácio do Planalto juram a Lira que não têm nada a ver com isso, mas a Polícia Federal é independente em relações às suas investigações.
A depender do que aconteça com "Arthur", Lira perde força na construção do seu sucessor na presidência da Câmara, para o júbilo de lideranças do próprio centrão que estão de olho na cadeira. Sim, na política, mais importante do que o exercício atual do poder é a perspectiva futura de poder.
E uma investigação séria autorizada pelo STF pode reduzir as perspectivas do presidente da Câmara.